Historiando

Teoria dos jogos e política

Teoria dos jogos e política

Escrevo a cada 15 dias neste espaço e depois de escrever por três semanas seguidas, passei duas afastado, numa espécie de férias informal. Volto hoje, para agonia dos meus 3 ou 4 leitores, escrevendo sobre assunto, teoria dos jogos, pelo qual tenho muito apreço e que me tem tomado um pouco do tempo, desde que passei a lecionar, com mais frequência, a disciplina de Filosofia da Ciência.

Teoria dos jogos é um ramo da matemática responsável por estudar interações estratégicas em contextos nos quais o resultado obtido por um agente depende de suas próprias decisões/ações e, também, das de outros.

É muito útil para entender muita coisa – política, economia, relações internacionais, ecologia, psicologia, etc.

Nos jogos de interesse, é possível dizer algo sobre qual será o resultado final e, aí, é corriqueiro o uso de computadores para fazer simulações ou modelagens, conforme afiança, em O Gene Egoísta, Richard Dawkins.

Para ele, programas computacionais são empregados “em todos os campos onde a previsão futura é necessária”, tendo em vista simulações eletrônicas serem vantajosas, com aproximações probabilísticas, por diminuir o tempo para observar os efeitos de uma ação, se esta vier de fato a ocorrer, funcionando como substitutas eficientes à prática aleatória da tentativa e erro.

Aplicada aos acontecimentos que se desenrolam no Brasil nos últimos dez anos, pode nos ajudar a entender dinâmica do nosso espaço público, oferecendo-nos resposta acerca das respostas que os agentes políticos dão quando confrontados com determinadas situações.

Uma estratégia clássica de teoria dos jogos é a Tit-For-Tat, segundo a qual um agente responde a outro com comportamento similar (X coopera se Y cooperar, mas retalia se Y desertar).

Na política é assim: se um agente radicaliza endurecendo o jogo, o outro provavelmente vai responder da mesma forma, criando um ciclo de ações negativas e cada vez piores. Se, porém, um demonstra autocontenção, o outro poderá retribuir, levando a um ambiente mais ameno e mais cooperativo. 

Num regime democrático, toda divisão partidária radical (motivada por qualquer impulso) leva à polarização e toda polarização ameaça o equilíbrio do sistema, pois alimenta um ciclo vicioso de Tit-For-Tat, com cada lado justificando suas ações como respostas ao que avalia e percebe como transgressões do outro, levando a uma escalada que muito provavelmente porá a ordem democrática em risco. 

A democracia é um arranjo institucional de gestão de conflitos no qual agentes atuam respondendo às ações e decisões de outros. O equilíbrio do sistema depende de os agentes aceitarem uns aos outros como participantes legítimos do jogo. Sem isso, o Tit-For-Tat certamente escalará para posições cada vez mais excludentes. A corrosão surgirá provavelmente como recusa em fazer concessões/acordos, demonização da oposição, descumprimento de normas e convenções, etc com cada nova ação ultrapassando novos limites e abrindo espaço para que a próxima ação siga ainda mais adiante e com ainda mais força, intensidade e volume, numa espiral que devora a tudo que encontra pelo caminho.

O grupo que ascendeu aos postos de comando no Brasil, em 2022-23, fez campanha amparado num discurso de paz e união, que, ressalte-se, não vem cumprindo. Os seus opositores, por sua vez, não depuseram as armas e seguem firmes e ostensivamente vigilantes e mesmo marciais. Logo, considerando tais variáveis, devemos cuidar para que ações muito agressivas (incluindo as retóricas) não alimentem o que a nação pretende (ou diz pretender) superar e vencer.

Exceto se quisermos trocar um autoritarismo por outro.

Israel versus Palestina: a realidade por trás do conflito (3)

Israel versus Palestina: a realidade por trás do conflito (3)

Este é o terceiro e último texto sobre a situação atual, no Levante, entre israelenses e palestinos. Os dois primeiros estão aqui (https://www.grandeponto.com.br/blog/post/israel-versus-palestina-a-realidade-por-tras-do-conflito-1); (https://www.grandeponto.com.br/blog/post/israel-versus-palestina-a-realidade-por-tras-do-conflito-2).

Direitos civis como liberdade de pensamento e de expressão, matéria rara no Levante, são respeitados em Israel, conforme o Repórteres Sem Fronteiras. O ranking estabelecido pela organização põe Israel na 97ª colocação, bem à frente da Palestina, que ocupa a 156ª posição, do México (128º) e da Grécia (107º). Ressalte-se que os palestinos estão atrás de países como o Afeganistão (152º), a Líbia (149º) e Quirguistão (122º) (https://rsf.org/pt-br/ranking).

Quando o assunto é direitos das mulheres, Israel também está muito à frente de todos os países da região, segundo registros do Índice de Desigualdade de Gênero, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Neste quesito, ressalte-se, os israelenses vencem França, Itália e Portugal, ocupando a 22ª posição. A Palestina está na 106ª colocação (https://maisliberdade.pt/maisfactos/indice-de-desigualdade-de-genero/).

Os direitos dos LBGT também são respeitados em Israel, de acordo com o Equaldex Equality Index, principal base de medição de direitos LGBT no mundo. Segundo os dados da plataforma, Israel aparece na 48ª posição, enquanto a Palestina ocupa a 190ª colocação. Aqui faço duas ressalvas: 1) em Tel Aviv, capital de Israel, ocorre uma das maiores paradas LBGT do mundo; 2) só sete países são mais intolerantes do que a Palestina no mundo, todos eles no Oriente Médio e no norte da África (https://www.google.com/search?q=Equaldex+Equality+Index&oq=Equaldex+Equality+Index&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOdIBCDE3NzVqMGo0qAIAsAIA&sourceid=chrome&ie=UTF-8).

Em torno de 21% da população de Israel é de origem árabe. Os que permaneceram no país depois da criação do Estado de Israel, em 1948, são cidadãos israelenses com plenos direitos civis, incluindo o direito de voto, e são representados no Parlamento (Knesset) por duas agremiações partidárias, o Lista Árabe Unida e o Hadash-Ta'al, hoje com dez cadeiras (cinco cada uma). Também mantêm os costumes, as tradições e o idioma.

Muito embora não haja tecnicamente segregação formal da população, muitos árabes reclamam de discriminação e as cidades e vilas de maioria árabe estão entre as mais pobres do país, com padrão de vida bem abaixo daquelas com predominância judaica. Registre-se que o governo Netanyahu é acusado de abrigar assessores racistas, como Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional, líder do partido de extrema-direita Otzma Yehudit  e associado ao  Kahanismo, agrupamento de ideologia ultranacionalista judaica fundado pelo rabino Meir Kahane.

Falecido em 1990, Meir Kahane liderou o partido Kach, tão ultranacionalista e racista que foi banido, por incitação à violência e por racismo extremado, de Israel. O maior aliado geopolítico de Israel, os Estados Unidos, considerou, em 2004, o grupo como organização terrorista.

O tema gera e acende paixões, mas é preciso deixar claro a incoerência de quem apela para o humanismo ao defender autodeterminação dos povos, mas assimila violência política para naturalizar regimes que subjugam mulheres, gays e outras minorias. Também é preciso reconhecer que a escalada da violência não produzirá melhora alguma no status de israelenses e palestinos e criará ainda mais instabilidade na região.

Aos propagadores de antissemitismo, xenofobia, racismo ou aos que festejam a morte de civis deveria ser reservado opróbrio da opinião pública.

   

Israel versus Palestina: a realidade por trás do conflito (2)

Israel versus Palestina: a realidade por trás do conflito (2)

Semana passada escrevi o primeiro dos três textos sobre o conflito entre israelenses e palestinos, quando um atentado terrorista do Hamas foi desfechado contra Israel, resultando na reação militar israelense, no aumento da tensão no Levante (Oriente Médio) e nas renhidas disputas de informações e narrativas que mobilizam defensores de israelenses e de palestinos nas mais diversas mídias (https://www.grandeponto.com.br/blog/post/israel-versus-palestina-a-realidade-por-tras-do-conflito-1).

Israel é uma democracia parlamentarista com sistema pluripartidário. O seu parlamento, Knesset, tem cento e vinte membros eleitos para mandato de quatro anos e no qual os dois maiores partidos representados são o Likud (partido da direita nacionalista) e o Yesh Atid (partido centro-liberal), com 32 e 24 membros respectivamente. Este, representante da classe média secular israelense, é defensor da retomada das negociações de paz com os palestinos e apoia a solução que advoga a existência de dois Estados; aquele, liberal na economia e conservador nos costumes, é muito cético acerca da possibilidade de paz com os palestinos.

O partido que tem a maioria dos assentos no Parlamento (atualmente o Likud) escolhe o Primeiro-Ministro.

Como líder do Likud, Benjamin Netanyahu é o atual Primeiro-Ministro de Israel e, desde a semana que Israel foi alvo do ataque do Hamas, está à frente de um governo de coalizão, ao lado de um de seus principais adversários políticos, Benny Gantz, líder de uma coligação de partidos liberais.

A Palestina, dividida em dois territórios, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tem uma espécie de governo duplo, com o Hamas à frente da Faixa de Gaza e a Autoridade Palestina governando a Cisjordânia.

No Democracy Index 2022 (https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2022/) elaborado pela Economist Intelligence Unit, Israel é considerado uma democracia e ocupa a 29ª posição entre os países avaliados, superando a capenga democracia brasileira e mesmo democracias consolidadas como a Bélgica, enquanto no Varieties of Democracy (V-Dem) (https://v-dem.net/data/the-v-dem-dataset/), da Universidade de Gotemburgo (Suécia), está como uma democracia liberal, ocupando a 39ª posição, superando uma vez mais o Brasil.

Segundo os registros do V-Dem, no norte da África e no Oriente Média há 98% de regimes autocráticos (monarquias tribais e arremedos de repúblicas). Em nenhuma outra região do mundo há algo da mesma envergadura. A Palestina, dividida em duas partes, ocupa a 135ª posição com a Cisjordânia e a 156ª com a Faixa de Gaza; a população dos dois territórios desfrutam de menos liberdade (veremos isso no terceiro texto, próxima semana) do que o Haiti e o Iraque, para ficar em um país-problema das Américas e uma reconhecida ditadura do Levante (Oriente Médio).

Israel é, por qualquer critério utilizado nos dois documentos acima indicados, uma democracia. A única da região. No entanto, o regime democrático passou, pincipalmente nas administrações de Benjamin Netanyahu (esteve como Primeiro-Ministro em dezenove dos últimos vinte e sete anos) por apertos, notadamente durante a atual gestão, acusada de tentar destruir algumas bases da democracia israelense, quando aprovou proposta de reforma judicial que restringe as atribuições do poder judiciário. Segundo a propositura do governo, o Supremo Tribunal fica impedido de agir para bloquear medidas que os juízes considerem “extremamente irracionais” (https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-entenda-o-polemico-projeto-de-lei-que-limita-poderes-da-suprema-corte/).

A medida fere de morte a democracia em Israel porque os tribunais são praticamente a única frente para restringir o poder do governo, tendo em vista o país ser unicameral (só tem uma câmara legislativa) e não ter uma Constituição. Com a nova legislação, um Primeiro-Ministro com grande base de apoio no Knesset (Parlamento) não terá contrapeso legal (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/28/por-que-israel-nao-tem-constituicao-e-como-funciona-judiciario-no-pais.ghtml).

A atuação do governo liderado por Benjamin Netanyahu levou a população às ruas para protestar e resultou em aproximadamente setecentas detenções. O ataque do Hamas, porém, fez a política se mexer e garantir ao Primeiro-Ministro a montagem de um governo que congrega as principais forças políticas do país.

Por ora, Netanyahu segue firme no cargo, mas a firmeza dura enquanto ele oferecer respostas firmes à ameaça terrorista representada pelo Hamas e seus aliados. Passada a tormenta, ele provavelmente será um Primeiro-Ministro demissionário.

Israel versus Palestina: a realidade por trás do conflito (1)

Israel versus Palestina: a realidade por trás do conflito (1)

Disse dias atrás alguma coisa sobre como o antissemitismo deu o ar da graça, com força, nos dias que se seguiram ao ataque do Hamas a Israel e à reação deste à covardia de que foi alvo.

Não precisa de muito para constatar como o antissemitismo continua uma praga que precisa ser combatida. São quase dois mil anos da chaga e quase sempre, ao longo de dois milênios, ela gerou não só preconceito, mas mortes. Muitas mortes. Na mais violenta manifestação do mal, quase seis milhões de judeus foram varridos do planeta por um regime assassino.

É preciso deixar claro, porém, que nem toda crítica a Israel é antissemitismo e tampouco que o Holocausto perpetrado pelos nazistas signifique passe livre para que o Estado israelense haja como quer, sem respeitar os princípios civilizatórios.

Lendo muito e pensando sobre o assunto, nos últimos dias, resolvi escrever as linhas abaixo, dividindo-a, porque ficou muito grande para um artigo de opinião veiculado pela Internet, em três partes que serão publicadas em três semanas, sempre às segundas-feiras, começando por esta.

Israelenses e palestinos têm direito à autodeterminação e a existência de dois Estados, o israelense e o palestino, é a mais adequada para garantir o princípio da autodeterminação. Logo, os assentamentos que Israel montou em áreas destinadas aos palestinos são uma forma indefensável de os israelenses lidarem com o problema e constituem agressão ao povo palestino. No entanto, se os assentamentos israelenses desrespeitam a soberania palestina, um estado teocrático palestino também fere uma lista interminável de direitos humanos. Não dá para fazer fala e escrever textos e tratados humanistas para defender autodeterminação dos povos e, ao mesmo tempo, assimilar violência política para naturalizar proposta de regime teocrático que maltrata e submete mulheres, gays e outras minorias. Os erros cometidos por Israel não justificam, sob qualquer hipótese, a ação do Hamas, do Hezbollah ou de qualquer outro grupo que tenha na violência desmedida contra civis o seu modus operandi. É necessário dizer, com todas as letras, que o Hamas é um grupo terrorista e repudiá-lo.

Muito se diz sobre o fato que Israel ser a única democracia no Levante (Oriente Médio). É verdade. O repúdio contra o Hamas e todas as organizações terroristas que atuam na região, entretanto, não deve nos cegar para a existência do fundamentalismo religioso nacionalista que se homizia na extrema-direita israelense e nem deixar que reconheçamos que o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu é uma liderança política desqualificada para conduzir Israel e que no governo dele a insegurança de israelenses e palestinos aumentou. Há um dado que precisa ser exposto: a qualidade do processo democrático israelense diminuiu durante o governo Netanyahu.

A escalada da violência não melhorará o status de israelenses e palestinos, nem aumentará a estabilidade e a segurança da região. E por pior que seja o governo Netanyahu, o que está acontecendo na Palestina não se compara com o Holocausto, quando em torno de seis milhões de judeus foram assassinados. Industrialmente. Quem realiza essa comparação banaliza e diminui o nazismo e dissemina antissemitismo. E quem assim age deve ser execrado pela opinião pública.

Com o desenrolar da guerra entre Israel e Hamas, uma luta foi travada entre os defensores de Israel e os defensores Palestina e isso deu ensejo a muita propaganda travestida de jornalismo nas redes sociais e na imprensa, distorcendo a realidade política da região, quando o momento exige que seja separado o que é história e o que é propaganda.

A história é construída com fatos que são duros de engolir, mas que precisam ser ditos e escritos, sem rodeios e sem floreios. São a dureza e a crueza da realidade que forjarão o espírito dos homens para enfrentar e resolver a realidade que se impõe e que, por mais que queiramos, não pode ser dourada.

Terrorismo é terrorismo

Terrorismo é terrorismo

Talvez seja possível compreender que, diante de certos conflitos, as pessoas assumam lado e ofereçam lá suas razões e justificativas para dizer o que dizem, mesmo que alguns ditos soem estranhos.

São absurdos e certamente desprovidos de sentido, porém, exceto para quem vive numa realidade paralela e tem caráter ambíguo e controverso, comentários que circulam na internet: “URGENTE!! Israel acaba de bombardear e destruir outro prédio na faixa de Gaza! Nos últimos meses Israel invadiu 15 cidades e matou cerca de 10 mil palestinos mas a imprensa não mostrou. Hoje os terroristas neonazistas de Israel têm o pretexto perfeito pra continuar o GENOCÍDIO com amplo apoio internacional.” (grifos nossos)

Comentários do tipo são comuns na internet desde que Israel reagiu ao ataque terrorista do Hamas.

Antes que qualquer apressadinho antissemita venha dizer qualquer coisa por aqui, adianto: não quero e não vou discutir o conflito entre judeus e palestinos. Sou de beber, e até sou bom de copo, mas não tenho a calma e o tato dos diplomatas, notadamente daqueles que creem ser possível acabar com conflitos de séculos e até de milênios batendo papo numa mesa de bar, em volta de copos de chopps acompanhados de pururuca e filé com fritas.

O assunto aqui é outro.

Chamar os outros de fascistas e nazistas (e de comunistas) perdeu inteiramente o sentido, como é possível constatar pelos “argumentos” acima, pois os termos foram banalizados e perderam inteiramente o sentido. Hoje são apenas insultos vazios proferidos por estúpidos que quase sempre são aquilo que dizem dos outros.

Quantos deles conseguiriam explicar o que foram o nazismo e o fascismo?

Assisti na TV, no final de semana, cadáveres vilipendiados, mulheres e crianças impotentes arrastadas e exibidas como bichos por homens com metralhadoras, corpos de famílias inteiras ao longo das estradas... e tento juntar isso com as manifestações abertas que endossam esse ato como legítima defesa dos palestinos ou mesmo aquelas que, cheia de não-me-toques, impõem conjunções e mais conjunções para explicar e, pior, justificar a barbárie.

No ensaio Educação após Auschwitz, Theodor Adorno, um dos expoentes da Escola de Frankfurt, disseca traços da sociedade alemã à época do nazismo e diz que a educação deve estar comprometida em coibir a barbárie e em evitar o surgimento de regimes autoritários. Diz o filósofo que a exigência para que Auschwitz “não se repita é primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la”.

Para Adorno, a barbárie é por vezes banalizada e até mesmo praticada inconscientemente por muita gente e é a falta de esclarecimento sobre como os meios de dominação agem frequente e sutilmente no indivíduo com personalidade ou temores reprimidos que desencadeia a violência legitimada e justificada pelo contexto histórico.

 

Como indivíduo eu não tenho que fazer nenhuma das escolhas que essa tropinha pretensamente descolada e entendida de tudo expõe, porque minha alma não admite o pavor daquelas pessoas assassinadas ou sequestradas pelo primitivo e incivilizado armado simplesmente porque não é possível admitir como legítimo o direito de reação de um povo baseado na barbárie e no terror.

Se na causa em questão não cabe racionalidade e principalmente compaixão, meu caro, não estamos definitivamente do mesmo lado. E isso conta ponto para mim.

A solidão latino-americana

A solidão latino-americana

A nossa vida, de modo geral, e a política, em particular, vive de mitos.

A direita e a esquerda só sobrevivem por meio deles, notadamente quando vêm tocados por fundamentos ideológicos.

Por quatro anos ou mais o Brasil foi sacudido pelo mito do Mito, como os seguidores do ex-Presidente Jair Bolsonaro chamam o agora ex-Presidente.

Na América Latina proliferam pai-dos-pobres, caçador-de-marajás, rainha-dos-descamisados, etc.

Evo Morales foi o primeiro índio a chegar à Presidência na Bolívia. Lula, o primeiro pobre a ocupar, no Brasil, um palácio presidencial. Nicolas Maduro o primeiro motorista a dirigir os rumos venezuelanos (não citemos que Cristina Kirchner foi a primeira boneca a sentar na cadeira presidencial argentina).

A lista poderia ser infindável. Dos citados acima, apenas Lula andou, durante todo o primeiro mandato e parte do segundo, nos trilhos da racionalidade política e, principalmente, econômica.

Algumas cavalgaduras não toleram que sejam citadas a origem étnica e a origem social (a primeira, dizem, configuraria racismo e a segunda, preconceito social) dos cidadãos, mas fazem festa quando há referências à vitória e origem social de Morales, de Lula e de Maduro. Eles, para esse pessoal, são a prova viva de que novos preceitos políticos, econômicos e sociais estiveram na ordem do dia na América Latina.

Não há dúvida de que a vitória de Morales, de Lula e de Maduro foram conquistas pessoais imensas. A sagacidade política certamente desempenhou papel decisivo na vitória que conquistaram. Porém, não convém imaginar que o exercício da Presidência da República é algo que costumeiramente se consiga com sucesso sem que se passe por um processo de educação mais elaborado. O índio, o operário e o motorista não são dotados de uma sensibilidade superior para gerir os negócios de Estado pelo fato de serem índio, operário e motorista.

A esquerda, é bom que se assinale, não gosta de fórmulas testadas e bem-sucedidas. São adeptas da lei da contra-indução (atribui-se ao economista Mário Henrique Simonsen a sua formulação, expressa no princípio segundo o qual se uma experiência deu errado em “n” tentativas, repita-a, porque dará certo na enésima primeira) e desdenham experiências meritórias se fugirem minimamente aos ditames teóricos das cartilhas revolucionárias ou ultra reformistas. Por isso, o Uruguai, o Chile e a Colômbia são acusados de aplicarem preceitos neoliberais ou de fugirem do abecedário socialista.

O que fazem Uruguai, Chile e Colômbia?

Alguma privatização e disciplina fiscal, buscam aumento de produtividade, respeito aos preceitos democráticos e rejeição a regimes autoritários. Tudo o que, de certa forma, o Brasil adotou e pavimentou o caminho para os anos de crescimento do governo Lula, construídos sobre o trabalho árduo de economistas experimentados durante os anos-Itamar Franco e Fernando Henrique e o primeiro mandato do líder petista.

Quando o Presidente operário abandonou parcialmente, no segundo mandato, a cartilha, digamos, neoliberal legou à sua sucessora um regime que se diluiu – com inflação ascendente, queda de produtividade e ameaça de recessão. O quadro foi devidamente aprofundado por Dilma e abreviou o seu segundo mandato.

A esquerda fala que hoje, após maré neoliberalizante, a América Latina pode experimentar novamente ventos pró-socializantes. A eleição de Lula seria o início da caminhada. Vê-se na Argentina e mesmo no Brasil um nacional-desenvolvimentismo anos 1950-60 e caneladas nos Estados Unidos, sem contar lavajatismo redirecionado. É caminho para o caos, lugar próximo e para onde a América Latina teima em voltar de tempos em tempos. 

Parece que vivemos a sina dos mil anos de solidão, dez vezes mais do que o título de Gabriel Garcia Marques, ou num labirinto da solidão, como escreveu o fenomenal Octavio Paz, ambos gênios da literatura latino-americana.

A América Latina só sairá da maré de atraso em que teima em ficar se revogar a retórica atrasada e tomar pela mão aquilo que o saudoso Mário Covas propôs na eleição presidencial de 1989: um choque de capitalismo.

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