O Brasil do Plano Real rende homenagens a FHC

02 de julho 2024 - 07h11
Créditos: Montagem Internet

O Brasil tem uma tendência de alterar a percepção sobre sua própria história. Como costuma se dizer no país, o passado é incerto.

Esse é um grande problema no Brasil. As pessoas que sabem o que precisa ser feito muitas vezes não conseguem convencer aqueles que estão em posições de liderança mas carecem dessa compreensão. Se soubessem, as coisas poderiam andar melhor.

A disputa política é dura e por vezes os adversários miram abaixo da linha da cintura. Mas há verdades que, por mais que queiramos escondê-las, veem sem que nada possamos fazer. Os trinta anos de aniversário do Plano Real é um fato histórico incontestável e os seus principais artífices vieram a público para dizer e pôr na defensiva aqueles que negam a Fernando Henrique Cardoso a função de seu timoneiro.

Três dos pais do Plano Real – Pérsio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco – visitaram FHC dia 24/06 (segunda-feira), no bairro de Higienópolis, São Paulo e disseram muito sobre o que foi feito para pôr o Brasil nos trilhos.

O Plano Real foi urdido no segundo semestre de 1993, quando o Presidente Itamar Franco transferiu o seu Ministro das Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, que, com carta, montou a equipe que pariu o Plano Real. Um dos motivos para a escolha de FHC para assumir o combate ao descontrole inflacionário foi o seu bom trânsito político. Teve inicialmente o nome de Plano FHC  não faltou quem dissesse que Fernando Henrique não tinha competência para a função, porque não era economista, mas sociólogo.

Antes de Fernando Henrique, o governo Itamar teve três Ministros da Fazenda.

Depois de montar a equipe que criou o Plano Real e já surfando na popularidade que as medidas traziam para o governo, FHC se afastou em abril de 1994 para se candidatar à Presidência da República (o  Ministro da Fazenda era senador licenciado e pensava em se afastar do ministério e voltar ao Senado para dali se lançar candidato a Deputado Federal, porque não vislumbrava a renovação do mandato senatorial), deixando ao seu sucessor, Rubens Ricúpero, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, a incumbência de conduzir a transição da Unidade Real de Valor (URV) para real.

O Plano Real não foi apenas uma simples mudança de moeda, afinal o Brasil trocou de moeda várias vezes em menos de uma década. O Plano Real foi, na verdade, um abrangente programa de ajuste econômico que durou anos, chegando a ser ameaçado pelo próprio Itamar Franco, quando ele era governador de Minas Gerais e decidiu não pagar a dívida do estado (um dos muitos esqueletos que o governo FHC teve que resolver).

Itamar, à época Presidente da República quando de sua elaboração, queria obter os créditos pelo Plano Real, desejando congelamento de preços, similar aos planos de José Sarney e de Fernando Collor. Ele aprovou o plano, provavelmente por não entender totalmente seus mecanismos, conforme disse Rubens Ricúpero, para quem Itamar Franco foi decisivo para a estabilização da economia “porque, naquele momento de transição (após o impeachment de Fernando Collor), ele era o único que acreditava que seria possível dar um golpe definitivo na inflação”, no entanto sem “uma ideia clara” de como fazer, pois “na cabeça dele, o (Plano) Real seria de novo um tipo de Plano Cruzado. Inclusive, depois que o real foi introduzido, Itamar ainda queria um congelamento de preços.”

De temperamento mercurial, Itamar se referia a Rubens Ricúpero “como o ‘sacerdote’ ou ‘apóstolo’ do real”, como se quisesse “retirar, por mágoa, um pouco do crédito pelo Plano Real da equipe de Fernando Henrique Cardoso. Por razões político-partidárias, resolveu-se dar a Fernando Henrique Cardoso todo o crédito e a paternidade pelo real, o que não é correto. É indiscutível a importância de Fernando Henrique, mas parece que existe em seus aliados uma impressão de que reconhecer os méritos de Itamar representaria alguma diminuição do valor de FHC.” (https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/07/110704_itamar_ricupero_pc).

Mesmo Ciro Gomes, Ministro da Fazenda por apenas quatro meses, exige ser reconhecido como um dos pais do Plano Real; fica enraivecido sempre que alguém nega ou diz desconhecer alguma contribuição dele para a construção do Plano.

É fácil reconhecer os méritos do Plano Real três décadas depois, mas os dois maiores contendores da política nacional atualmente, Bolsonaro e Lula (outros mais, com Leonel Brizola, do PDT, Epitácio Cafeteira, do PPB, para demonstrar que as críticas eram feitas à esquerda e à direita) foram contrários a ele. Lula e o PT, é bom não esquecer, tentaram sabotá-lo porque não queriam perder as eleições. Depois da sua implementação, o PT fez o possível para dificultar o governo de Fernando Henrique Cardoso, pedindo impeachment por qualquer motivo.

A proposta elaborada pelos economistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) foi dividida em três fases: o ajuste fiscal, com a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), a implementação da URV como unidade de conta e a introdução do novo padrão monetário, o real.

Fernando Henrique demonstrou, durante todo o tempo em que esteve à frente do Ministério da Fazenda (e depois como Presidente da República) toda a capacidade política, dialogando com todos os setores sociais, administrando crises e evitando que tempestades pusessem a nau a pique (https://oglobo.globo.com/opiniao/carlos-alberto-sardenberg/coluna/2024/06/fh-administrou-crises-do-plano-real.ghtml).

O ex-Ministro da Fazenda de Fernando Henrique, Pedro Malan, disse em evento de entidades empresariais comemorativo dos trinta anos do Plano Real não ter havido “uma operação milagrosa em 400 dias, entre a entrada de FHC na Fazenda, em maio de 1993, e o lançamento do Real, em 1° de julho de 1994. Foram 400 dias que funcionaram como um divisor de águas, que marcaram a história do Brasil, mas não representaram uma vitória definitiva contra a inflação”, no que foi seguido, no mesmo evento, por Gustavo Franco, ex-Presidente do Banco Central: “Se a gente fosse dizer, em 1994, que em quatro anos íamos trazer a inflação de 2.500% para 1,6%, seríamos recebidos com uma gargalhada. A agenda de consolidação fiscal é complicada em Brasília. O Fernando Henrique foi para nós um milagre” (https://jornal.usp.br/atualidades/30-anos-do-plano-real-o-tiro-certeiro-contra-as-mazelas-da-inflacao-que-atormentava-o-pais/). Na Fundação FHC, no último dia 24/06, o economista Pérsio Arida afirmou que “o Real foi uma construção política. E intelectual. As características e a liderança de Fernando Henrique, que reunia as duas qualidades citadas, foram fundamentais para o seu sucesso. Ele exercia uma pedagogia democrática como comunicador, líder político e intelectual”, lembrou na segunda-feira (24/07), o economista Pérsio Arida, em um evento comemorativo realizado na Fundação, aspectos importantes desse processo.

 

Por Sérgio Trindade