1974: O drama do seletivo que dividiu a cidade

13 de Fevereiro 2020 - 07h34
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Em 1974, Natal estava, ainda, em lua de mel com o Castelão.  O América vinha de uma excelente participação no Nacional/1973. O ABC chegando da fantástica excursão à Europa/Ásia/África.

A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) acenou para a possibilidade de o Estado ter dois representantes no Nacional/1974. Os clubes fizeram investimentos, reforçaram seus plantéis, se preparavam para a batalha, que é disputar um campeonato nacional, quando a CBD voltou atrás propondo um seletivo, com uma melhor de três e o vencedor representaria o RN.

A marcha ré da CBD provocou uma revolta nas duas equipes.  As diretorias passaram a questionar aquela decisão junto a Federação Norte-rio-grandense de Desportos (FND), porta-voz da CBD.

O ABC, de forma mais incisiva, cobrou de João Machado e de Humberto Nesi, então presidente e vice da FND, a palavra que lhes foi dada em nome de João Havelange, presidente da CBD, de que o representante potiguar seria o campeão/1973. Os mandatários da FND, visivelmente constrangidos, foram ao Rio de Janeiro buscar uma solução nem que fosse salomônica, mas nada conseguiram.

A decisão estava tomada pela cúpula da cartolagem nacional e nada restaria aos dirigentes do futebol potiguar, senão acatar a proposição cruel da “melhor de três”.

Com ABC e América recém inseridos no contexto nacional, amizades construídas numa Natal ainda provinciana, repleta de nativos e com pouquíssimos oriundos de outros Estados, começavam a desmoronar em razão da paixão nacional: o futebol.

Bira Rocha, integrante da Junta Governativa do ABC, disse que a partir de então João Machado seria para ele um “inimigo cordial”.

Não havia mais volta. Decidido que a escolha do representante do RN seria por meio do seletivo. Sobre os ombros dos jogadores dos dois times, foi colocado o peso do mundo. Eles decidiriam. Como para todo ponto, tem um contraponto, uma torcida ia sorrir, a outra ia chorar. 

Na primeira partida, um insosso 0x0 garantiu que haveria mais dois jogos para definir o classificado. No segundo jogo, o América foi o senhor do espetáculo e começou a mostrar que um jogador estava em estado de graça: Washington. O resultado do jogo deixou a torcida alvinegra, então senhora do Castelão, desconfiada: 3x1 para o América.

Chegava o dia da decisão. O América jogando por um empate. O ABC tinha de vencer no tempo normal, para levar a partida à prorrogação. Se houvesse tempo extra, quem vencesse seria o classificado. Se fosse empate a vaga seria decidida nos pênaltis.

Um público superior a trinta mil pessoas se entusiasmava na geral, arquibancadas, numeradas e especiais do estádio. Nem mesmo as cabines de rádio poderiam ser consideradas como um espaço neutro. Os locutores denunciavam suas preferências cromáticas por meio de comentários mais entusiasmados ou com pitadas de veneno e acidez em suas frases.

Já as torcidas, bem, a festa inicial deu lugar ao nervosismo comum às decisões.

Com a bola rolando, Alberi abriu o placar, de pênalti, aos 8 minutos de jogo. O time alvinegro parecia mais coeso e disposto a dar o troco. Mas o predestinado Washington encontrou espaço entre a zaga e deixou mais uma vez a sua marca, empatando a partida ainda no primeiro tempo.

Na volta da segunda etapa, o lateral Anchieta deixou o ABC, mais uma vez, em vantagem, placar que perdurou até a etapa final.

A prorrogação iria decidir o destino das equipes. As torcidas já não estavam tão festivas assim. O ar de preocupação ronda os espaços destinados a “frasqueira” e a “galera”. As charangas, quase mudas, mal conseguem disfarçar os sons espremidos dos torcedores. O murmúrio dos terços, contados na mão do povo, é quase surdo.

O ABC vinha da excursão. O preparo físico não era o mesmo. Os americanos tinham um time jovem e cumpriram à risca a orientação do matreiro treinador Leônidas, que fez valer o preparo físico. Já nos minutos iniciais do tempo extra, dá mostras de otimismo ao seu torcedor. Aos 8 minutos, Ronaldinho cobrou um escanteio “de mangas curtas” para Ivan Silva que cruza aberto para a entrada da área, encontrando Davi que vinha na corrida e reeditou a parábola bíblica, derrubando o então gigante da Lagoa Nova e colocando de cabeça no fundo do gol do ABC.

Um time recheado de pratas da casa dava ao América a primeira grande alegria no novo estádio e a vaga para o campeonato nacional de 1974, há 46 anos.

Ilustrando a postagem, Washington, uma das peças fundamentais para o América conquistar a vaga naquela “guerra” que foi o seletivo.

 

FICHA TÉCNICA:

AMÉRICA 1x2 ABC (tempo normal)

AMÉRICA 1x0 ABC (prorrogação)

Data: 13.02.1974

Local: Castelão

Público: 31.250 pessoas

Renda: Cr$ 184.182,00 (cento e oitenta e quatro mil, cento e oitenta e dois cruzeiros)

Árbitro: Valquir Pimentel/RJ

Auxiliares: Luiz Meireles/RN e Afrânio Messias/RN. 

Gols: Alberi (8 min.) e Anchieta (50 min.) (ABC) e Washington (27 min.) (AME) (tempo normal); Davi (98 min.) (AME) (prorrogação).

AMÉRICA: Ubirajara; Ivan, Scala, Mario Braga e Cosme; Afonsinho e Romualdo; Davi, Washington (Ronaldinho), João Daniel e Gilson Porto (Santa Cruz). Técnico: Sebastião Leônidas.