Anselmo: o vingador rubro-negro

21 de Novembro 2019 - 08h50
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Esta semana, o Flamengo volta a disputar um título da Libertadores. Trinta e oito anos depois, o rubro-negro chega a uma final onde o tira-teima se dará contra os argentinos do River Plate. Se em 1981, a final se deu em Montevidéu/URU, em 2019, também será em campo neutro: Lima, no Peru.

Em 1981, a fórmula para a final era de uma partida na casa de cada um. O Flamengo venceu o Cobreloa/CHI, por 2x1, no Maracanã. Na partida de volta, vitória do Cobreloa por 1x0, num jogo em que os chilenos bateram à vontade nos brasileiros com a permissividade do árbitro uruguaio, a ponto do meia Lico ter os dentes quebrados e Adílio o supercílio aberto ao receber um soco do zagueiro Mário Soto, que teria jogado com um seixo de pedra na mão. Uma “negra” foi marcada para três dias depois, no Estádio Centenário, em Montevidéu.

O Cobreloa, pelo gol feito no Maracanã, jogava com a vantagem de empatar no tempo normal e na prorrogação. Não haveria pênaltis.

O goleiro Raul decidiu jogar com uma camisa amarela, assim como fez na decisão da Libertadores, em 1976, pelo Cruzeiro. A superstição faz parte do mundo do futebol. Os capitães das equipes se apresentaram no meio campo e cumprimentaram o trio de arbitragem. Mario Soto estendeu a mão a Zico e este recusou a saudação. O chileno riu, mal sabendo que melhor ri quem ri por último. O “Galinho” entrou em campo com “a faca nos dentes”.

Jogo tenso. Zico recebeu a primeira entrada dura aos 20 segundos. Aos 17 minutos, Zico abriu o placar ao receber a bola de Andrade, que interceptou uma saída errada dos chilenos. O Flamengo cresceu e desperdiçou outras oportunidades, enquanto o Cobreloa apelava. Aos 24 minutos, Alarcón foi expulso ao entrar forte sobre Andrade. O tempo fechou no Centenário e Zico comandou a retirada dos jogadores da confusão. Puebla, um dos mais violentos chilenos na partida da volta, caça Adílio sem deixá-lo jogar, sempre apelando para a violência. Aos 35 minutos, Zico foi atingido pelas costas por Mário Soto. Fosse por outro não teria maiores consequências, mas o zagueiro do Cobreloa era a incorporação do carniceiro e foi o protagonista das maiores agressões no jogo do Chile. O sangue dos jogadores rubro-negros começou a ferver. Jogo recomeçado e Jimenez entrou com violento carrinho atingindo Júnior. Andrade vinha na jogada e não perdeu a viagem, dando um pontapé no adversário e recebendo, incontinenti, o primeiro cartão vermelho da sua carreira.

O jogo ficou igual de novo  no número de atletas em campo. Na volta do intervalo, os chilenos tiveram que se abrir, pois tinham que conseguir o empate que lhes favorecia. Mas não esqueciam que o seu forte era a porrada. Mario Soto, outra vez, deu um tapa no rosto de Zico fora da vista do árbitro. Aos 75 minutos, Tita lançou Adílio por elevação e o goleiro Wirth teve que sair da área e interceptar com a mão. “Falta na entrada da área, adivinha quem vai bater?”, diz a música de Jorge Benjor. Bola à frente da meia-lua de grande área. Cinco homens na barreira. Zico deu dois passos e no terceiro bateu magistralmente na bola, que foi morrer no fundo do gol adversário e o goleiro nem se mexeu. Gol que o próprio Zico considera o mais importante de sua carreira e que foi imortalizado na voz de Jorge Cury, da Rádio Globo.

Vitória praticamente garantida. Faltava à forra. Já aos 85 minutos, Tita recebeu a bola na frente do banco do Flamengo e foi mais um a receber um soco de Mario Soto. Foi à gota d’água.

O treinador Paulo Cesar Carpegiani tinha visto do banco todas covardes agressões praticadas pelo zagueiro chileno. Chamou o centroavante Anselmo, 21 anos, cria da base rubro-negra, que recebeu do treinador a instrução que mudou sua vida.

“- Vai lá e dá uma porrada no cara!!!”

O fotógrafo Almir Veiga, do Jornal do Brasil, sentiu que haveria alguma coisa diferente. Era clara a exaltação no banco do Flamengo. Esqueceu o jogo e colou a tela de sua máquina fotográfica nos passos do Anselmo, flagrando o momento em que o atacante fechou a mão direita e meteu um violento murro na cara de Mario Soto, que foi a nocaute. O fotógrafo e o assistente Juan Cardellino foram as únicas testemunhas do ocorrido. 

Missão cumprida. Carpegiani assumiu a responsabilidade do ato.

Na volta para casa, Flamengo, campeão da Libertadores, a massa rubro-negra esperava o time no Galeão em festa. Leandro, enrolado no manto sagrado, entoava, desafinada e emocionadamente, em cima do carro de som: “Oh meu Mengão/eu gosto de você/quero cantar ao mundo inteiro/a alegria de ser rubro-negro/conte comigo Mengão/acima de tudo rubro-negro!!!”. Raul e Lico, que tentaram sair do aeroporto de fininho, foram descobertos e sentiram a medida do amor da torcida pelos seus ídolos: tiveram suas roupas e sapatos carregados pelos torcedores. Anselmo se sentiu ídolo. Carregado nos braços da torcida como um mártir, conheceu a fama e os holofotes.

Ao chegar a sua casa, festejado pela família, recebeu o beijo e o abraço apertado de sua mãe, sua maior incentivadora a ser jogador de futebol, e a sentença que ficou marcada para sempre:

“- Meu filho, você não vai ficar conhecido pelo que fez com os pés, mas sim pelo que fez com as mãos”.            

O “vingador”, muito tempo depois, instado a falar sobre o episódio, é lacônico:

“- Não é exemplo, mas aquilo foi coisa de momento. Sangue quente. Aquilo foi comemorado porque as agressões tinham sido muitas”.

Já Soto, ao ser perguntado sobre Anselmo, resmunga:

“- Aquele do Flamengo? Foi um covarde!”

Para a torcida, um herói!!!

Créditos de Imagens e Informações para criação do texto: 20 jogos eternos do Flamengo (Marcos Eduardo Neves); 1981: O ano Rubro-Negro (Eduardo Monsanto); O vermelho e o negro (Ruy Castro); https://www.youtube.com/watch?v=tHzzS1q6gN8