
Conversar civilizadamente sobre política em grupos de aplicativo é um exercício de paciência que tenho exercitado. Porém, em vão. Pois a divisão no seio da sociedade é maior e mais sanguínea lá. A falta de apetite e de conhecimento mínimo sobre o assunto soma-se, às vezes, à falta de educação, quando não à falsidade. E isso independe de classe social e de grau de instrução. Vai do que tem educação primária a doutores. Tentar fazer uma análise minimamente racional dos fatos é meio caminho para ser acusado abertamente no grupo ou em mensagens privadas de ser partidário de A ou de B. Nem digo de C, porque C ainda não existe efetivamente, ainda que lideranças políticas das mais diversas tentem ocupar o espaço dele.
Estou bem acostumado a ser acusado de direitista sem alma e de ateu esquerdista, pelos dois principais grupos que, digamos, confrontam-se. Nem me dou ao trabalho de responder a isso, de prestar satisfação alguma, de querer demonstrar que não sou dos laterais políticas. Não vale a pena, é desgaste desnecessário, stress e perda de energia. Ainda assim, vez por outra, quando tenho tempo sobrando, tento provocar alguma reflexão, quase sempre sem sucesso.
O nariz de cera acima tem um motivo que vem me inquietando há certo tempo.
Falta quase um ano e seis meses para o pleito presidencial e, até aqui, o apoio que Jair Bolsonaro tem é quase uma incógnita. Apanha porque foi, para dizer o mínimo, irresponsável na gestão da pandemia, frequentemente dá declarações desastradas sobre qualquer assunto, dá caneladas em aliados estrangeiros, acusa opositores políticos internos sem apresentar prova alguma do que diz, a economia patina, entre outras coisas, porque o ministro Paulo Guedes, boquirroto, fala muito e entrega pouco, mas pesquisas de opinião mostram-no com algo em torno de 30% das intenções de votos.
Praticamente todos os analistas políticos e as principais lideranças políticas do país, exceto Ciro Gomes, dizem que Bolsonaro estará no segundo turno, em 2022.
A pergunta que me faço é: Como alguém açoitado pela grande mídia, por intelectuais, pela classe artística e pelos principais líderes políticos de alcance nacional e regional consegue se manter politicamente vivo? (voltarei a este assunto em outro momento)
Mesmo com percalços, o governo tem sido politicamente hábil em garantir maiorias parlamentares eventuais para o seu principal interesse: manter o presidente politicamente vivo e, quem sabe, eleitoralmente viável.
É quase consenso entre economistas que a economia mundial deve começar a se recuperar já este ano e com mais força em 2022 (https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2021/04/06/previsoes-do-fmi-para-a-economia-mundial-em-2021-e-2022.htm) (https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/04/06/fmi-eleva-previsao-de-crescimento-para-a-economia-global-de-55percent-para-6percent-em-2021.ghtml), o que levará o Brasil a exportar commodities em maior quantidade e por um preço mais atrativo, o que significará, talvez, bem mais dinheiro no bolso do governo federal nos meses que antecedem o pleito (https://jovempan.com.br/noticias/economia/retomada-da-economia-brasileira-ainda-pode-surpreender-em-2021-diz-economista-chefe-do-bradesco.html).
Bolsonaro tem se mantido vivo politicamente por uma combinação de esgotamento e desilusão do eleitor, resultante da crise que desceu sobre a economia brasileira desde 2013, seguida por campanha sem trégua que imputava quase todos os problemas do Brasil à corrupção. O quadro levou ao impeachment de Dilma e a ascensão de Michel Temer, que, aboletado na cadeira presidencial, prometeu modernizar o país e passou a trabalhar, após escândalos envolvendo o seu nome, apenas para salvar o próprio pescoço.
O que era incialmente apenas uma inquietação com os políticos se transformou em revolta e, daí, para uma rebelião contra a política foi um pulo, abrindo espaço para os outsiders. Estes, com discursos que falavam mal da política, aproveitaram a oportunidade e foram parar no meio dela, como são os casos de João Dória, em 2016 e 2018, de Wilson Witzel, em 2018, e do próprio Bolsonaro, em 2018, que, há décadas no campo político, apresentou-se como um estranho naquele mundo e naquele sistema que ele jurava combater.
Eleito, Bolsonaro montou equipe ministerial com dois superministros, Sérgio Moro, na Justiça, e Paulo Guedes, na Fazenda. Este iria lhe abrir espaço junto ao empresariado; aquele, junto à classe média e também pelo prestígio que gozava em praticamente todos os estratos sociais manteria, junto à opinião pública, acesa a chama do combate à corrupção, um dos principais esteios de Bolsonaro durante a campanha presidencial,
Paulatinamente, Bolsonaro foi mudando a frágil base de sustentação política de seu governo e um dos insubstituíveis ministros, Sérgio Moro, foi degolado sem que o ato mexesse com os alicerces do governo. Logo, Guedes foi também amofinando, sem que apoios tradicionais ao governo sofressem qualquer dano maior, ainda mais depois que o presidente atraiu o centrão, massa política do Congresso que já esteve, de alguma forma, aninhada em todos os governos da Nova República.
Sem poder contar com o apelo da rua, a oposição, acanhada e atoleimada, presencia, quase muda, a manutenção da densidade de Bolsonaro para seguir com o mandato. Nem mesmo o retorno de Lula, envelhecido e com um passado recente nebuloso, certamente alvo de contestações durante uma campanha presidencial, tem sido carta suficiente para fazer jogo.
Uma oposição unida em torno de Lula é uma possibilidade longínqua, e o PT sabe disso. Algumas das principais lideranças do partido sabem que o partido errou em não garantir o arejamento necessário para a formação de lideranças políticas que ocupassem o espaço deixado por Lula, como demonstrou a eleição de 2018, quando Fernando Haddad chegou ao segundo turno, em grande medida, apenas por ter sido ungido pelo ex-presidente.
É fato que Bolsonaro está politicamente frágil, mas ainda firme em torno de 30% das expectativas de votos.
A oposição permanece frágil e às escuras, pois parece inteiramente refém de um Lula ainda dotado de muito carisma, mas em situação completamente diversa da que enfrentou na primeira década deste século, quando atraiu a casse média e o grande empresariado com o Lulinha paz e amor e emplacou o Brasil feliz de novo.
É certo que 2022 está longe, mas está perto.
As cartas começam a ser postas.