Cottin: Uma história unida pela aviação e a cidade do Natal/RN

15 de Fevereiro 2024 - 12h15
Créditos: Acervo do autor

A relação entre a aviação e a cidade do Natal/RN sempre renderam ótimas histórias e por trás delas, personagens ainda melhores e curiosos. Alguns desses relatos renderiam roteiros para filmes e séries, e este é o caso da história das irmãs, Gisele, Monique e Michelline Cottin, unidas pela aviação, Natal e um mesmo pai, o francês Marcel René Cottin.

Em 2019, o editor deste blog, por intermédio da pesquisadora Maria Jandir Candéas, tomou conhecimento do fato da neta de um francês que buscava o reconhecimento da dupla cidadania – Brasil e França – e mais informações sobre os avós, que teriam morado em Natal nos anos 1930. Na época, conseguimos identificar a presença de Marcel Cottin, alguns registros de pessoas ligadas a ele e da empresa aérea onde trabalhou como mecânico.

Registro de Cottin em Parnamirim nos anos 1930 (Acervo da Família Cottin)

Entretanto, a pandemia da Covid-19 atrapalhou o andamento das buscas, apesar de Jandir continuar coletando relatos e identificando familiares dele na Europa, inclusive mantendo contato com as irmãs Monique e Michelline. Com a ajuda da tecnologia e por meio da internet, elas puderam conhecer a irmã brasileira, a senhora Gisele Maria de Lourdes Cottin, residente em Natal/RN e assim se encontraram pela primeira vez, virtualmente.

A troca de informações e memórias foi marcante para ambas as famílias e em dezembro de 2023, realizaram o desejo e se conheceram pessoalmente; Gisele, 84 anos, e Micheline, 66 anos. Monique não pode vir ao encontro.

Gisele e Micheline Cottin, em dezembro de 2023 no CCTV, em Parnamirim (Foto: Leonardo Dantas)

Em Natal, Micheline demonstrou muito interesse em conhecer um pouco mais da história de Marcel Cottin – com quem ela conviveu na França até seu falecimento nos anos 1990 – e por onde passou na cidade. Tentamos ainda acesso ao setor Oeste da Base Aérea de Natal (BANT), onde o pai delas residiu e trabalhou, mas a autorização não chegou por parte do Centro de Comunicação Social da Força Aérea Brasileira (Cecomsaer – FAB). Neste local, entre 1927 e 1940, existiu um aeródromo, popularmente, conhecido como “vila francesa”, com hotel de trânsito, estação rádio, galpões de manutenção e hangar. Atualmente, o espaço está dentro do terreno da Aeronáutica. As duas irmãs puderam conhecer mais sobre a aviação francesa em visita realizada ao Centro Cultural Trampolim da Vitória, em Parnamirim, em dezembro de 2023.

"Vila francesa" dentro da BANT em 2009 (Foto: Leonardo Dantas)

O pai: Marcel Rene Cottin

O senhor Marcel Rene Cottin, veio de Vilampny, na França. Nos anos 1920, iniciou o trabalho como mecânico de avião na empresa Latécoére, chegando à África, Guiana Francesa e Brasil. Não é possível afirmar a data exata de sua chegada a Natal/RN, mas tendo como ponto de partida que os franceses chegaram à cidade em 1927 com a empresa Latécoére e permaneceu até 1940, já como Air France, pode-se ter esses anos como referência*.

Como mecânico, é bem provável que Marcel Cottin tenha feito parte de feitos importantes para a aviação e conhecido personagens singulares neste contexto, como Paul Vachet, Maryse Bastié e Jean Mermoz. Atuando em Natal, a aviação francesa obteve grandes feitos, como: O primeiro raid aéreo entre África e América sem escalas, com o “Nungesser-Coli” pilotado pelos aviadores Joseph Le Brix e Dieudonné Costes (1927) e a primeira travessia de correio aéreo transatlântico, realizado por Jean Mermoz pela Compagnie Générale Aeropostale (1930).

Já em Natal, Cottin constituiu vida e família, pois trouxe a esposa Helene Cottin, com quem teve sua primeira filha Gisele Cottin (Ele registrou duas pessoas com o mesmo nome e mais à frente detalharemos isso). De acordo com os relatos, a primeira esposa não se acostumou ao Brasil e deixou o país, levando a filha, quem Marcel nunca mais viu.

Na década de 1930, ele conheceu outra pessoa, identificada apenas como Maria Izabel, com quem também tem uma filha, registrando como Gisele Maria de Lourdes Cottin, em 23 de novembro de 1940, ou seja, com o primeiro nome igual ao da primogênita do primeiro casamento.

De acordo com a certidão de nascimento e o livro de registro resgatado em cartório, Gisele Maria teria nascido no hospital Miguel Couto – atual Onofre Lopes –, em 08 de agosto de 1939. Sobre sua mãe consta apenas o nome de Maria Izabel, que seria cozinheira e natural do Pernambuco, residente em Natal e com quem Marcel Cottin vivia maritalmente. Sobre os avós de Gisele consta apenas os nomes paternos Desiré Cottin e Maria Flora Joachim, enquanto que os maternos como, Gabriel de Tal e Dona Maria Rosa. No ato do registro, assinaram como testemunhas, o senhor Marcel Roland Girard e sua esposa Lídia Madureira. Este Marcel era um dos diretores representantes da Air France em Natal/RN, e nos anos 1940 chegou a ser indicado como vice-consul da França Livre, um grupo que resistiu à invasão alemã durante a Segunda Guerra.

Família Cottin e Leonardo Dantas (editor) em visitia ao CCTV em dezembro de 2023 

Sobre o pai, Gisele lembra pouco, pois de acordo com ela, ainda muito criança foi entregue à família de Antônio Secundo e Luiza Alves. Ele era amigo de Marcel Cottin e também mecânico de aviação. O pai a deixou pois sempre estava precisando viajar a trabalho, mas retornava  com frequência e enviava ajuda financeira para sua criação. Ela relata que ouvia dos tutores que sua mãe havia falecido do parto, por isso, não tem qualquer lembrança ou memória da senhora Maria Izabel. Uma memória, é que chegou a morar na Vila Francesa, aquela de Parnamirim que citamos no início do texto.

De acordo com ela, em determinado momento as visitas de Marcel Cottin ficaram com um intervalo maior. Associamos que, como era anos 1940 e a guerra desenrolava na Europa, esse trajeto se tornou mais difícil, principalmente com a França tomada pela Alemanha nazista, trazendo inúmeras dificuldades e barreiras, inclusive do Governo Brasileiro com estrangeiros.

Em uma das visitas, Marcel chegou a comunicar que; quando a paz retornasse, ele e a filha se mudariam para a França. É neste momento que a história sofre uma reviravolta, pois o casal tutor não recebeu bem a notícia, pois já tinha se apegado a menina e a partir daí passaram a dificultar as visitas, culminando na mudança de endereço sem comunicar ao pai biológico.

O relato é que Marcel tentou contato em diversas ocasiões, porém sem sucesso, retornando à França sem a filha. Nos anos 1950, ele constituiu uma nova família, cansando-se com Mirelle Chavigny, com quem teve outras duas filhas, Micheline e Monique.

Enquanto isso no Brasil, Gisele Cottin foi criada e educada pelos tutores, apesar de afastada do pai verdadeiro, por quem sempre perguntava e recebia a resposta de que estaria morto. Ela se formou como professora, exerceu a função de educadora e casou-se com o militar da Marinha, Lourival Severiano da Silva, com quem teve duas filhas; Rosicler e Roseane. Por décadas, relatou o desejo de saber o que acontecera com seu pai, descobrindo recentemente os familiares na Europa. O processo de cidadania continua tramitando no Consulado da França, que deve contemplar filhas e netos.

Vale citar que, em paralelo, as irmãs francesas ainda localizaram com vida a irmã mais velha, Gisele Cottin, hoje falecida, e que residiu em Natal antes da segunda Gisele nascer. Mantiveram contato e também trocaram informações, inclusive enviando fotos para a irmã brasileira.

Há muitos detalhes nessa história que ainda serão contados em livro que está sendo desenvolvido pela escritora e pesquisadora Maria Jandir Candéas.

*Nota: Em 1928, a Latécoére se tornou Aeropostale e em 1933, após processo de nacionalização, foi incorporada a Air France.