‘Desde os anos 80, a Odebrecht fazia pagamentos não declarados, diz Marcelo

17 de Dezembro 2019 - 07h42
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Preso por dois anos e cinco meses em Curitiba, condenado a mais de 30 anos de cadeia por corrupção, o engenheiro Marcelo Odebrecht, hoje com 51 anos, virou o símbolo da Operação Lava-Jato. Nunca antes um empresário tão poderoso havia sido alvo de uma ação tão dura.

Em sua casa, em São Paulo, Odebrecht recebeu O GLOBO por duas ocasiões. Com limitações legais para falar sobre processos em andamento e em meio à disputa familiar sobre o futuro do grupo, ele contou como a empresa tinha a prática de fazer pagamentos não contabilizados — não apenas para campanhas eleitorais —, detalhou seu papel na “conta italiano”, exclusiva de recursos para o PT e o Instituto Lula. “Sempre fomos tolerantes com o caixa dois”, disse. “A crença de que os fins justificam os meios foi um grande pecado”.

Em 2010, o Brasil estava crescendo 7,5%, havia ultrapassado a crise financeira de 2008 e tudo indicava que seria a grande década brasileira. O que deu errado com o Brasil?

O Brasil cresceu? Sim, mas tudo ajudava: havia o bônus demográfico, os preços das commodities estavam lá em cima, o pré-sal apareceu, nós tínhamos um líder popular, agregador, um verdadeiro chefe de torcida. Por outro lado, abdicamos das reformas estruturais que precisávamos. O governo era onipresente em toda a economia. Era um crescimento que embutia várias distorções que o tornavam insustentável.

Em 2010, a Odebrecht era líder no setor de infraestrutura, mas também estava em petroquímica, bioenergia, defesa, construção naval. Aquela ambição era sustentável?

A maior parte do nosso crescimento e diversificação era sustentável: a internacionalização da companhia que vinha desde os anos 1980, a Braskem, óleo e gás... mas nos aventuramos no setor de etanol a pedido do governo, e tivemos muito prejuízo, assim como no estaleiro na Bahia. O estádio do Itaquerão foi uma dessas missões em que perdemos muito dinheiro.

Para os seus negócios, fazia diferença contratar o ex-presidente Lula para dar palestras?

Sim, fazia diferença, mas nós tínhamos uma situação ambígua. Por um lado, Lula tinha uma enorme influência e era muito querido, tanto na América latina como na África. Por outro lado, ao contrário da maior parte das nossas competidoras, nós já estávamos presentes nesses países. Neste sentido, a presença de Lula nos trazia algum desconforto porque a intenção dele era abrir o mercado para todas as empresas brasileiras. Nós então procurávamos influenciar as pessoas no entorno do Lula, e preparávamos notas detalhando a nossa operação para que no momento em que ele fosse defender as empresas brasileiras, não o fizesse de uma maneira tão genérica que pudesse passar a impressão ao governo local que estava despriorizando a única empresa brasileira que já estava presente naquele país há muito tempo.

O GLOBO