Estadão: Vareio - Um mês após fugirem de presídio federal, criminosos ligados ao CV seguem humilhando as forças de segurança do RN

15 de Março 2024 - 11h04
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O jornal Estadão publicou editorial comentando sobre a demora na captura dos dois fugitivos do presídio federal de Mossoró, que é de segurança máxima. Confira texto abaixo:

Vareio

No dialeto do futebol, diz-se que um time goleado de forma humilhante pelo adversário tomou um “vareio”. Pois é isso, um vareio, o que as forças de segurança estão levando dos dois prisioneiros que há um mês, completado ontem, fugiram de onde não deveriam fugir, a Penitenciária Federal de Mossoró (RN), que supostamente seria de segurança máxima.

Para marcar a data e tentar dar um ar de seriedade ao engajamento do governo federal na caçada aos fugitivos, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, viajou ao local e fez um sobrevoo pela região de Baraúna, cidade na divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte onde se acredita que os bandidos ainda possam estar. Não se sabe ao certo o que Lewandowski viu lá de cima, mas, ao pisar em terra firme, o ministro afirmou que as buscas estariam “se desenvolvendo com êxito”.

Ora, como é óbvio para qualquer cidadão minimamente sensato, êxito seria o retorno de Rogério Mendonça e Deibson Nascimento, dois perigosíssimos criminosos condenados, para trás das grades – e desta vez em local um tanto menos expugnável do que a penitenciária potiguar. Lewandowski, no entanto, parece se contentar com bem menos. Na visão do ministro, o suposto bom andamento das buscas pelos fugitivos pode ser atestado pelo fato de eles estarem “cercados” em um “perímetro amplo e variável”. Seja lá qual for essa área, o certo é que Rogério e Deibson seguem dando dribles da vaca nas autoridades, que perderam seus rastros nos últimos dias. Um vexame para as forças de segurança do Estado.

Durante uma entrevista concedida logo após uma reunião com policiais envolvidos na recaptura, Lewandowski deixou transparecer a sua conhecida inexperiência na área da segurança pública – problema, justiça lhe seja feita, que diz menos sobre ele do que sobre seu chefe. Aos repórteres, o ministro assegurou que as forças do Estado “estão empenhadas na operação” para levar os dois criminosos ligados ao Comando Vermelho de volta ao cárcere. Que alívio, pois imagine o leitor se acaso não estivessem.

O presidente Lula da Silva, por sua vez, prometeu “ampliar o espaço de investigação”. De acordo com o petista, em entrevista ao SBT, “vai chegar um momento em que você não vai continuar procurando (na mesma região). Mas, por enquanto, a gente tem que ficar lá (em Baraúna) porque a sociedade está assustada. E são dois bandidos perigosos”. A obviedade não esconde o fato de que o governo está zonzo. Do ponto de vista operacional, talvez possa fazer sentido aumentar o número de ações de recaptura mais ostensivas. Mas força bruta sem cérebro tem pouca serventia.

Ações de inteligência têm sido privilegiadas pelas forças de segurança nos âmbitos federal e estadual? Se sim, um mês desse baile que os dois bandidos estão dando num enorme contingente de agentes sugere que elas têm sido ineficazes. Decerto os fugitivos estão recebendo ajuda, mas era esperado que o Estado, do alto de seu poderio humano e material, fosse capaz de romper essa rede de favorecimento. Sobretudo porque, como afirmou o próprio ministro Lewandowski, os criminosos estariam cercados.

A essa altura, as autoridades deveriam se preocupar menos com a criação de factoides e mais com o planejamento e ações de inteligência que possam cortar o afluxo de recursos que têm permitido que Rogério e Deibson prossigam foragidos. A cada dia que passam fora do cárcere, é bom enfatizar, os criminosos humilham o Estado brasileiro.

Evidentemente, a recaptura dos dois fugitivos deve ser a prioridade zero do governo federal. Está-se lidando com criminosos de altíssima periculosidade, condenados por crimes de sangue, entre outros, e vinculados a uma das mais poderosas organizações criminosas do País. Mas logo o ministro Lewandowski terá de dar à sociedade as respostas às perguntas que permanecem em aberto, algumas delas óbvias.

Como Rogério e Deibson conseguiram escapar com tanta facilidade de um presídio que deveria ser de segurança máxima? Qual o grau de envolvimento de servidores públicos com a fuga? Como o governo federal pretende fazer com que essa fissura vergonhosa no sistema penitenciário federal não sirva de incentivo para que outros detentos acautelados em prisões federais não se sintam encorajados a fazer o mesmo?