Governo atrasa e 73 mil ficam sem tratamento para AVC no Brasil

17 de Setembro 2023 - 03h10
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Ercília de Lima, 41, emocionou os médicos do Hospital das Clínicas, em São Paulo, ao deixar a UTI após um AVC (Acidente Vascular Cerebral) que a deixou "perto da morte". Ela foi salva por uma trombectomia mecânica, técnica que reduz em quase três vezes as sequelas do AVC isquêmico, a principal responsável por incapacidade motora no mundo.

Aprovada no SUS em 2021, a técnica ainda não foi incorporada pelo governo, deixando cerca de 73 mil pacientes sem o tratamento desde então.

O que é trombectomia mecânica?

Consolidada em estudos internacionais na década passada, a trombectomia mecânica é uma cirurgia pouco invasiva. Ela é recomendada para o AVC isquêmico, quando um vaso no cérebro é obstruído por um coágulo. Esse tipo de derrame equivale a 80% de todos os AVCs, segundo o Ministério da Saúde.

Todo os anos, mais de 12 milhões de pessoas têm algum tipo de AVC no mundo, com 6,5 milhões de mortes — a segunda principal causa de óbitos, atrás apenas de problemas no coração. No Brasil, o AVC matou 50 mil no primeiro semestre deste ano e 114 mil em 2022, segundo os Cartórios de Registro Civil do Brasil.

O médico introduz um cateter por uma artéria da virilha. "Ele chega ao pescoço e, de lá, um cateter menor vai até o vaso entupido no cérebro", explica o médico Francisco José Mont'Alverne, pesquisador da RNPAVC (Rede Nacional de Pesquisa em AVC). Na ponta do cateter, um stent (tubo expansível) colocado sobre o coágulo funciona como um "saca rolha", que retira a obstrução.

Mas a técnica ainda usada no SUS é a trombólise: um remédio dissolve o coágulo desde que ministrado quatro horas e meia após os sintomas.

A trombectomia desobstrui o vaso em 77% dos casos, contra 11% da trombólise. 46% de quem passou pelo procedimento ganharam independência em três meses, contra 26,5% do outro grupo, segundo um estudo publicado em 2017 na 'New England Journal of Medicine'.

No Brasil, uma pesquisa avaliou por dois anos a trombectomia em 221 pacientes de 12 hospitais. Financiado pelo Ministério da Saúde, a pesquisa da RNPAVC — publicada na 'New England Journal of Medicine' em 2020 — constatou que a trombectomia reduziu as mortes em 16% e aumentou em duas vezes e meia a chance de o paciente voltar para casa sem sequelas.

"O tempo de internação caiu de 25, 30 dias para três, cinco dias", diz Mont'Alverne, que participou da pesquisa e realiza o procedimento no Hospital Geral de Fortaleza.

Por que não chega ao SUS?

Aprovação foi em 2021. O pedido para autorizar o tratamento chegou em 2020 à Conitec, órgão responsável por decidir as técnicas incorporadas ao SUS. Em fevereiro de 2021, o órgão deu até seis meses (agosto) para o SUS oferecer a trombectomia a pacientes que registraram os primeiros sintomas até oito horas antes. Em dezembro, estendeu o prazo para 24 horas, mas a incorporação não aconteceu até hoje.

Devido ao atraso, até 73 mil ficaram sem atendimento. A conta da RNPAVC — que leva em consideração a incidência de AVC isquêmico sobre a população com acesso exclusivamente ao SUS— estima que 99 pessoas poderiam se beneficiar da trombectomia todos os dias no Brasil. Entre o prazo máximo para a incorporação da técnica, em agosto de 2021, e 31 de agosto deste ano, 73.458 pessoas poderiam ter recebido o tratamento.

Falta dizer de onde virá o dinheiro. De acordo com Mont'Alverne, o procedimento ainda não foi incorporado porque o governo federal não publicou portaria indicando de onde sairá o dinheiro para bancar a técnica e quais hospitais estariam capacitados. O tratamento só é oferecido em hospitais particulares ou em algumas unidades públicas bancadas por governos estaduais, como HC de SP e o Hospital Geral de Fortaleza.

Fonte: Uol