Jogador do Vasco revela que teve que superar álcool e drogas

12 de Fevereiro 2022 - 03h52
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Raniel enfrentou uma série de problemas pessoais e físicos antes de chegar ao Vasco no início desta temporada. Mais preparado do que nunca, nas palavras do próprio centroavante, o jogador de 25 anos fez revelações duras ao "The Players Tribune". Muito antes de testar positivo no exame antidoping por uso de cocaína no Santa Cruz, aos 17 anos, o atacante já havia começado o consumo de álcool e drogas ilícitas, chegando inclusive a ser traficante no Recife.

- Com 14 anos eu comecei a beber. Depois, a me drogar. E até vender drogas eu vendi. É doído demais lembrar disso, parece que estou jogando sal numa queimadura de água-viva. Eu era só uma criança e acabei cedendo àquele mundo perigoso que me cercava - declarou Raniel ao "The Players Tribune".

Um dos momentos abordados pelo atleta é o anúncio da suspensão por doping, que sua avó Marinalva acompanhou ao seu lado pela TV. Na época, o principal nome das categorias de base do Santa Cruz precisou ficar afastado dos gramados por quase um ano.

- Achei que eu fosse perder ela também, que o coração dela não ia aguentar tanto sofrimento. Isso me machucou mais do que a própria punição, porque a vó Marinalva me ama demais, sempre quis o meu bem e foi o colo onde eu me socorri a vida inteira - contou Raniel.

O ponto de virada do atacante está eternizado em uma tatuagem no rosto, abaixo do olho esquerdo. A data 07-12-20 marca o dia que Raniel decidiu parar de beber.

- Com essa tatuagem perto do olho, que a vó Marinalva diz ser a janela da alma, todo mundo pode me ver por inteiro, por dentro e por fora. Os números não mentem: essa é a minha história, cheia de dores, quedas e cicatrizes, mas verdadeira pela primeira vez. Você não precisa sentir pena de mim. Apenas me conhecer. Eu sou Raniel, camisa 9 do Vasco, tenho 25 anos, três filhos e uma esposa incrível. E desde 07-12-20, não boto uma gota de álcool na minha boca.

A decisão por parar de beber veio depois de dois grandes baques que o pernambucano sofreu em 2020: a quase perda do filho Felipe, na época com nove meses de vida, e a trombose aguda em estágio avançado, que por pouco não encerrou sua carreira como jogador.

- Era de tarde. Eu e minha mulher tínhamos ido tirar um cochilo no quarto. O nosso bebê Felipe, de nove meses, ficou com a babá. Quando ele adormeceu, ela o deixou num colchão no chão da sala e foi pra área de serviço, cuidar da roupa, essas coisas. Mas esqueceu a porta de acesso pra piscina entreaberta. Provavelmente o Felipe acordou e engatinhou até lá. Eu dei um pulo da cama com os gritos da babá. Desci as escadas correndo e vi meu filho nos braços dela, desacordado, todo molinho, e com a boca espumando - falou abertamente sobre o caso pela primeira vez.

O bebê precisou ficar internado na UTI por 23 dias, mas por sorte sobreviveu. O choque, porém, fez Raniel se entregar à bebida mais uma vez e quase desistir de tudo.

- Voltei a beber e não foi pouco. Era o auge da pandemia e os jogos estavam suspensos, os estádios fechados. Eu tive uma recaída. Eu me afundei. Bebia, bebia, bebia até cair e bebia mais um pouco deitado. Só parava depois de desmaiar. Eu queria me destruir. Eu via que a qualquer momento algo grave ia acontecer comigo. E eu desejava que acontecesse, porque aquele abismo em que eu caí depois do antidoping no Santa Cruz ficou rasinho perto desse - revelou.

No mesmo ano, em outubro de 2020, Raniel teve trombose venosa profunda na perna direita em decorrência da Covid. O atacante precisou passar por cirurgia e correu o risco de perder a perna.

A superação do jogador vai além dos problemas citados. Ainda pequeno, Raniel perdeu o pai e foi entregue pela mãe, que não tinham condições de criá-lo, a uma vizinha. Dione, a mãe de criação, faleceu quando o novo camisa 9 do Vasco tinha sete anos, e ele passou a ser cuidado pelos irmãos de criação.

- Na nossa casa simples no bairro do Arruda faltava tudo: roupa, material escolar, mantimentos. Lembro que eu não tinha toalha pra me enxugar depois do banho. Me secava com roupa suja. Eu saía pra bater bola na rua e quando dava três da tarde, no máximo, corria de volta pra casa. Os meninos não entendiam: "Pô, Raniel, tá metendo um monte de gol e vai sair no meio do jogo?". Mas eu tinha que voltar, me lavar, me enxugar com aquela roupa suada e depois dar um trato nela no tanque. Até hoje sinto o cheiro do sabão… Um sabão quadrado, amarelinho. Aí eu torcia e pendurava a roupa na frente de um ventilador pra ela estar seca na hora de eu ir pra escola.

Grato ao Santa Cruz pela chance de se refazer mesmo após o flagra no doping, o atacante também reconhece o Cruzeiro por acreditar "num jogador com histórico de alcoolismo, drogas e pego no antidoping". Agora, entende que o recomeço no Vasco é parte do seu destino.

- Eu entendi que passei por tudo o que passei para estar vivo neste dia, nesta hora, neste ano, em São Januário. É aqui que vai acontecer mais uma volta pra mim. E com ela eu espero contribuir com a volta do Vasco também. Eu passei pelo que passei para ser quem eu sou hoje. E agora o Vasco faz parte de mim. Estou pronto para viver o melhor ano da minha vida. Mas, não importa o que aconteça nem quantos gols eu marque na temporada, eu finalmente me sinto em paz - destacou o camisa 9.

Titular do ataque vascaíno no início desta temporada, Raniel começou 2022 correspondendo às expectativas do treinador Zé Ricardo. O centroavante tem três gols em cinco jogos pelo Vasco.

Fonte: GE