Uma dieta sem glúten pode aliviar as dores da menstruação?

01 de Setembro 2021 - 16h02
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A dor menstrual causa sofrimentos para muitas mulheres todos os meses. Apesar de o incômodo ser sentido de formas diferentes por cada uma, algumas mudanças de hábitos podem ajudar. Pesquisadores estão estudando se uma mudança na dieta, por exemplo, poderia trazer alívio para algumas dessas mulheres.

Entre as possíveis alterações, uma que tem gerado polêmica é o corte no consumo de glúten. De acordo com Fabiana Vieira, gastroenterologista clínica e endoscopista digestiva do Hcor, algumas mulheres, durante o período menstrual, podem sentir mais dores abdominais ao consumirem alimentos com glúten.

Ela cita, como exemplos, pacientes com SII (síndrome do intestino irritável) ou SGNC (sensibilidade ao glúten não celíaca) —esta última quando uma pessoa apresenta sintomas semelhantes aos da doença celíaca, mas não tem de fato a doença. "Essas mulheres podem apresentar exacerbações dos sintomas intestinais, como distensão e dor abdominal, gases, alteração do hábito intestinal; e extraintestinais, como fadiga, dor de cabeça e irritabilidade ao consumirem alimentos com glúten".

Vieira lembra que algumas mulheres podem ter dificuldade em distinguir se o desconforto abdominal é de origem intestinal ou ginecológica. Lembrando que muitas não têm conhecimentos dessas condições intestinais, por não terem obtido os devidos diagnósticos, atribuindo os intensos desconfortos abdominais apenas ao período menstrual em que se encontram.

A ginecologista do HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual) e especialista em ginecologia natural Emybleia Meneses concorda que uma mulher que tiver uma hipersensibilidade ao glúten pode sentir mais dores. "Uma boa parte das pessoas que tem sintomas de desconforto após o consumo de glúten sofre da sensibilidade ao glúten não celíaca. Ainda não se sabe o mecanismo dessa sensibilidade, mas ela está relacionada à ativação do sistema imunológico".

Por que glúten causaria aumento de dores durante o período menstrual?

Alguns estudiosos tentam fazer uma associação direta entre a ingestão de glúten e piora da dor menstrual. Consideram que esta proteína presente em alguns grãos, como trigo, cevada e centeio, provoca uma inflamação no organismo, contribuindo também para o aumento da inflamação pélvica existente naturalmente em todo período menstrual. Mas, atualmente, nenhum estudo confiável pode confirmar essa teoria.

"O que se sabe é que algumas mulheres, que possuem condições intestinais específicas, como as citadas anteriormente, se beneficiam da dieta sem glúten por aliviarem os sintomas intestinais, com consequente melhora do desconforto abdominal", diz a gastroenterologista.
Ela ainda revela que as cólicas menstruais são causadas, na maior parte das vezes, devido ao aumento de mediadores inflamatórios, entre eles as prostaglandinas. "Elas são ativadas tanto pela hipersensibilidade ao glúten quanto pelas cólicas menstruais, o que pode causar a piora das dores".

Vieira conta que já atendeu pacientes com o problema, principalmente aquelas com SII. "Estudos atuais já relacionam a piora dos sintomas (intestinais e extraintestinais) desta síndrome durante o período menstrual, devido à ação de hormônios sexuais no trato intestinal. Assim, se durante a menstruação elas excluírem o glúten da dieta, poderão ter uma melhora significativa dos sintomas intestinais, minimizando o desconforto abdominal".

O mesmo já aconteceu com Meneses: "Já tive pacientes que reclamavam de cólicas intensas durante a menstruação, optando inclusive por fazer bloqueio da menstruação. Após a sugestão de retirada de glúten da alimentação, uma paciente teve uma melhora significativa das dores, dispensando o uso de analgésicos".

Cortar: necessidade ou modismo?

Há uma discussão sobre cortar ou não o glúten da alimentação. Porém, se uma pessoa não tiver problema desencadeado por ele, vale a pena fazer isso? Para Vieira, esse é um tema polêmico, que deve ser exaustivamente discutido, pois, atualmente, há um forte apelo midiático quanto aos benefícios de uma dieta sem glúten. De uma maneira geral, essa mudança deve ser indicada apenas às pessoas que apresentem sintomas intestinais e/ou extraintestinais relacionados ao consumo desta proteína e têm algum diagnóstico feito por um especialista.

Ela também aponta que a dieta sem glúten costuma ser uma das alternativas de emagrecimento, podendo gerar um efeito real na perda de peso. Mas, como ocorre com qualquer dieta com esta finalidade, a indicação deve ser individualizada e o paciente acompanhado por médico especialista e nutricionista, para evitar efeitos adversos, como algumas deficiências nutricionais. "Lembrando que existem várias outras opções de dietas, menos polêmicas, mais estudadas e que apresentam um benefício documentado à saúde, como, por exemplo, a mediterrânea".

Cortar o glúten da dieta, seria, então, um modismo? "Eu acredito que sim. Muitas pessoas associam esse tipo de dieta com a perda de peso. E o emagrecimento, muitas vezes, ocorre de escolhas alimentares mais saudáveis, e não necessariamente graças à exclusão do glúten", admite Meneses.

A ginecologista acrescenta que produtos sem glúten não são necessariamente mais saudáveis. Boa parte deles são produzidos com farinhas de alto índice glicêmico e com gorduras saturadas. Assim, é preciso ficar atento aos rótulos das embalagens para fazer escolhas saudáveis. "Alguns estudos mostram que as pessoas que não são celíacas podem não se beneficiar da dieta sem glúten. Mas sabe-se que a gliardina (uma das proteínas presentes no glúten) tem um alto potencial inflamatório e que, ao longo dos anos sendo exposto a quantidades abusivas desse tipo de alimento, poderá ocorrer uma resposta do sistema imune e a pessoa desenvolver uma hipersensibilidade".

Na dúvida, mantenha

Para Meneses, se não houver comprovação de doença celíaca ou sintomas relacionados à hipersensibilidade ao glúten, pode não haver benefícios investindo em uma dieta com esse tipo de restrição.

Já Vieira enfatiza que, nos últimos anos, fomos bombardeados por informações negativas sobre o glúten. Muitas revistas não especializadas, sites e influenciadores digitais o transformaram num grande "vilão", esquecendo-se, no entanto, que ele também apresenta benefícios. A dúvida frequente é se o glúten pode realmente trazer malefícios.

"De concreto, o que se sabe até esse momento é que o efeito negativo ocorre, geralmente, em um grupo específico de pacientes. Assim, a exclusão não está indicada para a população geral", diz ela. Muitas pesquisas continuam sendo realizadas e talvez futuramente teremos informações mais confiáveis quanto aos benefícios e aos malefícios de uma dieta sem glúten.

Deste modo, se você não tem nenhum problema intestinal, cortar o glúten pode ser mais prejudicial que benéfico. Isso porque, segundo as médicas, já se sabe que a dieta sem glúten, aplicada sem acompanhamento médico e nutricional, pode trazer deficiências nutricionais. "Estudos já comprovaram que pessoas que não consomem glúten podem apresentar deficiências de ferro, folatos e vitaminas do complexo B. Alguns cardápios sem glúten são pobres em proteínas, magnésio, potássio, vitamina E e fibras, além de serem ricos em gorduras e açúcares. Outros relataram o aumento de doenças. É importante ressaltar que a busca pela saúde e pelo bem-estar deve ser contínua, individualizada e apoiada em práticas comprovadamente eficazes, sempre com acompanhamento médico e nutricional", finaliza Vieira.

Fonte: UOL