
Chamado de superclássico das Américas, Brasil x Argentina guardam diversas partidas históricas entre si, porém, uma delas tem um enredo especial. Aquela realizada no modesto estádio, curiosamente chamado de Gigante de Arroyito, em Rosário, e que foi decisiva para a definição de um dos finalistas da Copa do Mundo de 1978.
Com a facilidade que a tecnologia hoje nos proporciona e a partida sendo disponibilizada na internet, parei para assistir todo o jogo e então se descortinou uma verdade que não é tão propagada. O jogo passou longe de ser considerada uma “batalha”.
A história pouco fala de um detalhe desse jogo. A tendenciosa administração da Copa antecipou a chegada da seleção brasileira em meia hora ao estádio. Uma forma de prolongar a ansiedade dos jogadores e, de alguma forma, o psicológico funcionar contrariamente para os brasileiros, uma vez que o estádio era menor que os demais e o calor da torcida iria provocar alguma reação nos jogadores.
O treinador Cláudio Coutinho, inteligentemente, mandou que os jogadores, ainda de agasalho, subissem ao gramado e ficassem passeando sempre mais para o meio do campo, como se fazendo um reconhecimento do gramado. Longe, porém, do alambrado. A torcida passou a vaiar enormemente os atletas, jogar bobina de máquina, papel higiênico e o que tinham em mãos. Nessa meia hora eles cansaram. Pararam de apupar. Então a equipe desceu ao vestiário para aquecer.
O jogo em si, considerando as condições oferecidas, até que foi normal demais diante da tradição desse clássico. Campo pequeno, torcida próxima, gramado extremamente escorregadio, noite fria e os jogadores mais preocupados em catimbar do que jogar futebol.
Coutinho, habilmente, escalou o volante são-paulino Chicão, que colou em Mário Kempes como um carrapato e não o deixou ser o cérebro argentino da criação e da chegada surpresa no ataque.
O time brasileiro tinha jogadores com a característica do jogo cadenciado, imprópria para uma partida mais pegada, como Jorge Mendonça e Dirceu. Até a nossa zaga não era de impor respeito mostrando as travas da chuteira. Oscar e Amaral tinham a técnica como sua maior qualidade, embora a partida tenha mostrado o quão importante foi Oscar, um verdadeiro xerife que colocou o centroavante Luque no bolso e usou da malícia quando foi necessário.
Outro jogador importante na parte defensiva foi o lateral-direito Toninho Baiano. Não deixou Ortiz jogar, a ponto do argentino ser substituído no segundo tempo por Alonso, que só congestionou o meio de campo numa época em que se jogava com pontas abertos. Toninho ainda contribuiu para tirar de jogo o craque Ardilles, pegando-o de jeito no fim do primeiro tempo, obrigando o treinador Cesar Luiz Menotti a colocar Ricardo Villa em campo, o melhor amigo de Ardilles e que após a Copa ambos seguiram para o Tottenham Hotspur, onde foram ídolos.
No entanto, entre os brasileiros o grande nome do jogo foi o de Batista. O volante do Inter armou, combateu, segurou o jogo na hora certa, arrepiou quando foi necessário, correu todo o campo o jogo inteiro e não se intimidou com a cara feia de Passarella.
Quanto ao jogo, muitos chutes de fora da área, nenhum a causar perigo aos gols de Emerson Leão e Ubaldo Fillol, ambos jogando de camisas verdes. O ponta-direita Gil, no primeiro tempo, chutando em cima de Fillol e Roberto Dinamite, no segundo tempo, em triangulação com Zico (que entrou no lugar de Jorge Mendonça) e Batista tiveram as melhores chances para o Brasil. Ortiz teve o gol escancarado após um cruzamento de Bertoni e não soube aproveitar o melhor momento argentino no jogo.
O empate em 0x0 deixou as duas seleções em pé de igualdade, sendo necessária a intervenção da FIFA para colocar os jogos Brasil x Polônia e Argentina x Peru na última rodada em diferentes horários, a fim de que os Hermanos soubessem do que precisavam para ir à final com os holandeses. O Brasil terminou a Copa invicto, tendo o treinador Cláudio Coutinho considerado que fomos campeões morais, "título" que foi muito contestado pela imprensa, à época.
Emerson Leão, hoje, justifica a fala do treinador falecido em 1981.
“Ele quis dizer que: primeiro, nós não perdemos; segundo, não nos deixaram ganhar; ofereceram aquela vergonha do Peru com a Argentina; e mudaram o jogo que decidiu a final”.
Na foto da postagem, Chicão dá um tapa em Kempes no fim do primeiro tempo. Dirceu pega Ardilles, assistido por Roberto Dinamite.