A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente promoveu audiência pública, nesta terça-feira (2), para debater o tema “Autismo e políticas de inclusão”. A data foi escolhida por ser o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007. Compareceram ao debate o presidente – Hermano Morais (PV) – e a vice-presidente da frente parlamentar, Cristiane Dantas (SDD); autoridades da Prefeitura de Natal, Ministério Público, Governo do Estado, Defensoria Pública, Conselho Regional de Medicina (CRM), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RN); e representantes da Associação dos Pais e Amigos dos Autistas do RN (APAARN) e do Grupo “Mães Corujas Batalhadoras”.
Segundo Hermano Morais, o assunto sobre o qual versa a audiência pública “é de conhecimento de todos, mas ainda pouco conhecido de forma aprofundada pelas sociedades brasileira e mundial”.
“Por isso, em 2007, a ONU escolheu a data de hoje como um dia a ser motivo de reflexão e maior difusão de informações sobre o Autismo. Essa data foi consagrada nacionalmente, e hoje o que se procura é reduzir o preconceito que sofrem algumas pessoas portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA)”, complementou o parlamentar.
De acordo com Hermano, esse contexto lhe inspirou a propor a audiência.
“E é por isso que estamos aqui hoje, para discutir o TEA e suas políticas de inclusão. Sabemos que, além de pouca informação, falta mais atenção em áreas essenciais, como Saúde e Educação. Além disso, há inúmeros relatos de violações de direitos ou atos discriminatórios que precisam ser combatidos”, acrescentou.
Em seguida, o deputado comentou proposições do seu mandato, aprovadas na Casa, que dizem respeito à defesa das pessoas com Autismo.
“Por feliz coincidência, esta semana nós aprovamos um projeto de nossa autoria, inspirado em pedidos de algumas mães que nos procuraram para falar de prejuízos causados aos autistas com relação à sua presença e permanência em estabelecimentos públicos e privados. Além disso, eles também estariam enfrentando problemas para portar alimentos de consumo próprio e objetos de uso pessoal no Estado”, relatou.
O parlamentar citou ainda dois projetos de lei apresentados em 2021: o PL nº 2816/21, que estabelece diretrizes a serem observadas na formulação da Política Estadual de Atendimento e Diagnóstico às Pessoas com Transtorno de Espectro Autista, no Estado do Rio Grande do Norte; e o PL 3197/21, que determina a obrigatoriedade da aplicação do questionário M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) nas unidades de saúde, creches e escolas, públicas e privadas, para rastreio precoce do Transtorno do Espectro Autista.
Na sequência, a deputada Cristiane Dantas (SDD) falou sobre o objetivo da audiência pública neste Dia Mundial de Conscientização do Autismo.
“A data de hoje não representa uma celebração, mas a luta por respeito e garantia dos direitos das pessoas com TEA e de suas famílias atípicas. E, por falar em respeito, nós não temos observado a garantia de acesso aos laudos tão necessários para que as pessoas autistas possam ter as políticas públicas devidas e necessárias para o seu dia a dia”, iniciou.
A parlamentar ressaltou também que a fila em Natal, hoje, para quem aguarda o laudo com o diagnóstico, é de mais de 5 mil pessoas.
“Todas essas pessoas aguardam pela consulta com um especialista a fim de serem diagnosticadas e receberem o seu laudo. E é de conhecimento geral que o diagnóstico é fundamental para garantir o tratamento multidisciplinar, visando um melhor desenvolvimento global e, consequentemente, a independência e o bem-estar dos autistas. Portanto, essa fila de espera representa um atraso no desenvolvimento, e as famílias estão exaustas de esperar por uma assistência que muitas vezes não se concretiza”, concluiu Cristiane.
Continuando as explanações, a promotora de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Rebeca Nunes, falou sobre sua atuação no Ministério Público e citou alguns direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
“Ainda temos um caminho muito longo a percorrer na garantia de direitos. Como a deputada falou, não há muito o que se comemorar. Apesar de alguns avanços, temos muito mais desafios. Nesse contexto, a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência é um instrumento importantíssimo, porque trouxe princípios e direitos expressos que são indispensáveis para a base de toda nossa luta: a igualdade de oportunidades”, destacou.
Segundo a promotora, muitas vezes os gestores lhe perguntam o que precisam oferecer para os portadores de TEA.
“E eu respondo para eles analisarem o que precisam oferecer a essas pessoas para que elas tenham igualdade de acesso a Saúde, Educação, Lazer e outros direitos. Então, a questão é olhar o indivíduo em sua singularidade, porque nem todos possuem as mesmas características, habilidades e necessidades”, disse.
A respeito das atividades executadas na sua promotoria, Rebeca Nunes detalhou que, na questão do direito a Educação, está sendo feito um trabalho de regularização das escolas, exigindo que o Regimento Escolar e o Projeto Político-pedagógico expliquem como é feito o seu atendimento às pessoas com deficiência e, dentre elas, as pessoas com Autismo.
“Fora isso, também estamos trabalhando o despreparo no atendimento às pessoas com TEA nos serviços públicos e privados; a falta de acessibilidade à comunicação e informação; a falta de prioridade de atendimento; a falta de diagnóstico e avaliação; e a questão da isenção de impostos”, acrescentou.
Rosenaite Fonseca, presidente da APAARN e mãe de um adolescente autista, contou que a associação existe desde 1996 e que ela assumiu a presidência há três meses.
“Nesses três meses em que exerço o cargo, percebi a enorme responsabilidade que é estar à frente dessa associação, mas eu estou lá há quase dez anos e, desde então, venho lutando pela inclusão e socialização das famílias e dos assistidos. Nós estamos trabalhando muito para deixar tudo em dia, e eu tenho recebido muita ajuda dos profissionais e dos outros pais. Por isso, eu gostaria de agradecer o apoio de todos”, frisou.
Ela enfatizou também a importância de as pessoas se informarem mais e prestarem atenção aos seus filhos, para que possam diagnosticar o TEA da forma mais rápida possível.
Para o artista e portador do transtorno, Jobson Maia, passar pelas escolas nunca foi muito fácil. Em algumas, ele foi vítima de bullying, principalmente quando era criança.
“Mas os meus pais, Ademilson e Lourdes, sempre deram um jeito de lutar pela minha qualidade de vida. Eles sempre fazem tudo para me apoiar em cada lugar que passamos, para que eu possa chegar aonde eu quero, nesses 45 anos de luta e superação. Em junho de 2011, quando recebi a primeira ligação da Rede Globo, o meu pai falou com o diretor do Criança Esperança, e eles gravaram conosco em vários locais de Natal. Na oportunidade, meus pais deram seus depoimentos contando toda minha história”, contou, orgulhoso.
Jobson Maia disse ainda que no mesmo ano cantou no programa “Encontro”, na época apresentado por Fátima Bernardes. “E este ano eu recebi um convite para participar do programa de Marcos Mion, que tem um filho autista”, acrescentou.
Segundo o artista, não é todo produtor ou empresário musical que dá oportunidade a alguém com necessidades especiais.
“Eles não sabem a barreira que estão impondo para as nossas vidas. Eu sei que o que está por trás disso é a discriminação. Ainda falta muito apoio para nós”, lamentou.
Ao final do seu discurso, Jobson Maia destacou os seus 27 anos de carreira e os lugares em que se apresentou.
“Eu já viajei para muitas cidades do interior do RN e para fora do Estado. Já me apresentei em São Paulo, São Luís, Fortaleza, Belém, Rio de Janeiro etc. O que falta para melhorar o mercado é ensinar aos produtores e empresários musicais a aceitarem melhor cada artista, independentemente de ele ser deficiente ou não”, concluiu.
Em seguida, a idealizadora do grupo “Mães Corujas Batalhadoras”, Rochelle de Carvalho, começou suas palavras externando a honra em receber o convite e depois lançou uma reflexão.
“A vida nos mostra que temos dois caminhos a seguir: o do amor ou o da dor. O da dor é o meu. E eu espero que aqueles que não tenham a dor consigo escolham o amor. Eu agradeço muito por estar aqui hoje, em nome do meu filho Alberto, que é um autista severo, nível 3 de suporte; e em nome de todos os familiares e cuidadores da pessoa com autismo aqui presentes ou que nos assistem agora”.
Ela explicou o que é Autismo e enriqueceu o debate com a apresentação de dados estatísticos colhidos do CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças) de Atlanta, Estados Unidos.
“De acordo com dados divulgados em março de 2023, uma em cada 36 crianças até os 8 anos de idade possuem TEA, nos Estados Unidos. Para que possamos entender a evolução, em 2004, o número era de 1 para 166; em 2012, 1 para 88; no ano de 2018, a quantidade era de 1 para 59; e em 2020, 1 para 54”, disse.
Rochelle de Carvalho ainda desabafou, falando que os pais e cuidadores sofrem pela falta de inclusão social e escolar; pelo preconceito; pelo afastamento de familiares e amigos após o diagnóstico; pela falta de convites para aniversários de colegas da sala de aula ou condomínio; pela exclusão realizada por professores ou pedagogos; pela negativa de matrícula escolar por diretores de colégios públicos ou privados; dentre outras situações.
A defensora pública Fabrícia Galdencio esclareceu que o órgão presta assistência jurídica à população mais vulnerável.
“Nosso papel de atuação é tanto na esfera individual quanto na coletiva. Nós temos uma demanda recorrente pelo acesso aos direitos das pessoas com deficiência. A gente lida principalmente com a busca de tratamentos de saúde, tanto exames quanto medicamentos, e com a questão da avaliação global por profissional especialista para se conseguir o diagnóstico”, explicou.
Concluindo, Fabrícia Galdencio se mostrou “muito feliz, porque essa audiência de hoje mostra que estão sendo trilhados caminhos para a garantia dos direitos”.
“Também é muito importante o diálogo com as secretarias estaduais e municipais, especialmente de Saúde e Educação. Por fim, eu quero dizer que, para nós, é uma honra muito grande estar fazendo essa caminhada com vocês. Saibam que a defensoria está sempre à disposição para ajudá-los no que for preciso”, finalizou.
De acordo com Bruno Saldanha, membro da OAB e pai de uma criança autista, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo lhe traz algumas preocupações.
“Se tivéssemos tratamento adequado, escolas públicas e particulares adequadas, eu não teria 800 filhos adotivos no meu escritório de advocacia. E me chamam a atenção os números. Em 1985, nós tínhamos uma a cada 2.500 crianças diagnosticadas com autismo. Em 2023, esse número já é de 1 para 36. Ou seja, se o TEA não bateu à sua porta ainda, ele irá bater. Pode ser com um filho, um sobrinho, um vizinho... Portanto, se você não está na dor, esteja no amor, porque é ele que acolhe”, ressaltou.
Bruno Saldanha também criticou os planos de saúde, “por não cumprirem sua responsabilidade de realizar os tratamentos adequados aos portadores de TEA e, ainda, por cancelarem os contratos dos planos referentes a esses pacientes”.
Jacira Soares, coordenadora do CAPS Infantil da Secretaria Municipal de Saúde de Natal, explicou que desde o início do serviço o CAPS faz esse acompanhamento, dentro das suas limitações.
“A gente sabe que é preciso garantir o acesso aos serviços que atendam às necessidades de cada caso, dentro da sua individualidade. Desde a criação, o nosso serviço acolhe a demanda de TEA, embora não seja referência dentro da Rede de Apoio à Pessoa com Deficiência. Mesmo assim, o CAPS Infantil recebe diariamente esses casos, tendo atualmente cerca de 130 usuários com diagnóstico de TEA em acompanhamento”, detalhou.
Ela disse ainda que, além do acompanhamento médico e das oficinas terapêuticas, o CAPS Infantil conta com atendimento fonoaudiológico e psicológico e possui grupos de orientação às famílias.
“De acordo com o caso, nós inserimos o paciente no nosso serviço ou realizamos a orientação e direcionamos para locais mais adequados”, complementou.
Para a representante do Governo do Estado, Juliana Silva, as pessoas que exercem cuidado com os portadores de TEA e outros transtornos foram essenciais para que tenhamos, hoje, espaços de luta onde se consegue sentar e conversar sobre as necessidades.
“A gente só tem hoje o Poder Público pensando a diversidade, as deficiências, o TEA porque muitas mães e pais ousaram lutar e cobrar isso da sociedade, depois de muitos anos de sofrimento e silenciamento”, enfatizou.
Juliana Silva opinou que é importante também pensar sobre a vida adulta das pessoas com TEA.
“Eu já ouvi muitas mães falando que a sua sensação é a de que elas não podem morrer ou adoecer. Elas não podem ser ausentes em momento algum, porque não existe mais ninguém que possa cuidar do seu filho. Então, essa também precisa ser uma preocupação do Poder Público: pensar o desenvolvimento integral dessas pessoas, proporcionando não só uma infância e adolescência digna, mas também uma vida adulta que seja realmente inclusiva no mundo do trabalho, no mundo afetivo e no mundo social como um todo”, destacou.
Concluindo a audiência, o deputado Hermano Morais pediu para que os pais, amigos, cuidadores, profissionais, enfim, todos os envolvidos na causa não desistam, que continuem lutando.
“Tenho certeza de que todos nós aqui, com o exemplo de cada um, iremos construir um mundo melhor, mais humano, em que os autistas possam viver com dignidade e com os seus direitos respeitados. Muito obrigado a todos!”, finalizou.