Falência de ex-deputado mais rico vira saga judicial por corrida bilionária

30 de Junho 2021 - 03h21
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Em 2014, o império do então deputado federal mais rico do país, João Lyra (AL), ruiu. O grupo industrial —marca do poder do político e usineiro em Alagoas— teve falência decretada, dando origem a um processo judicial que hoje tem 104 mil páginas e 19 mil credores à espera de solução.

O caso da Laginha Agroindustrial S/A é um dos maiores processos de falência no país. Os credores têm a receber um valor avaliado em R$ 1,2 bilhão. Somente as dívidas com bancos --classificadas como garantia real-- somam R$ 665 milhões.

Já a dívida ativa inscrita na lista de devedores da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) soma R$ 1,97 bilhão. São 547 processos inscritos. Ao todo, o grupo deve mais de R$ 3 bilhões.

Em 2010, quando foi eleito deputado federal, João Lyra havia declarado um patrimônio de R$ 240 milhões (R$ 400 milhões em valores atuais), o maior daquela legislatura de todo o Congresso.

Caso chega ao CNJ

A falência é marcada por um vaivém judicial, que já chegou ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Para entender como isso ocorreu, é preciso conhecer a histórica relação do ex-deputado com os Poderes em Alagoas. Oito dos 15 desembargadores do TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas) declararam-se suspeitos para julgar o caso.

Quem acabou nomeado para o caso foi o desembargador Kléver Loureiro, em janeiro de 2019. Mas a sua atuação é questionada por advogados de credores, que o acusam de parcialidade nas decisões, supostamente favorecendo a família de Lyra e dificultando pagamento das dívidas.

Entre as medidas questionadas, estão a destituição da empresa e a indicação de um administrador da massa falida que teria relação próxima com integrantes da família, ocorrida em setembro de 2020.

O comitê de credores ingressou com um pedido de providências no CNJ, e o caso está sob análise do conselheiro André Godinho.

Procurado pelo UOL, o desembargador informou que não queria falar sobre o caso. Loureiro é hoje presidente do TJ-AL.

Hoje, o caso está sendo analisado por uma comissão de juízes designada pelo próprio Loureiro.

Esperança com nova decisão

A esperança dos credores teve um alento. No último dia 7 de junho, a 6ª Turma do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) negou recurso da União que questionava pagamento de um precatório ao grupo João Lyra. Por dois votos a um, os desembargadores determinaram a transferência dos mais de R$ 690 milhões para o juízo falimentar.

O crédito está em conta judicial desde junho de 2020 e é referente à ação impetrada nos anos 1990 contra a União (com base na Lei 4.870, que estipula ressarcimento de danos patrimoniais em virtude dos preços praticados pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool para comercialização do açúcar e do álcool que estavam em desacordo com a legislação vigente a partir da safra de 1983/1984).

O advogado Otávio Barbi, que representa um dos credores, acompanha o caso desde o começo. Ele afirma que a liberação do TRF-1 abre uma possibilidade de liquidar os débitos daqueles que estão na "cabeça" da fila de espera (os chamados credores extraconcursais).

"Esses são aqueles que trabalharam, forneceram e emprestaram à empresa durante o período de recuperação judicial. Eles têm R$ 337 milhões para receber. Ou seja, esse valor paga a todos e ainda entra nos pagamentos dos credores concursais com uma quantia grande", diz.

Segundo ele, o esperado agora é que o pagamento seja rápido. "Com a decisão, dinheiro vai para o juízo falimentar e não cabe nenhum recurso em Alagoas. Só pode caber recurso quando houver um ato judicial, como um pagamento a um credor ser questionado", diz.

Barbi afirma que o caso é um dos mais complexos já vistos no Brasil. "Na época, a Laginha foi uma das primeiras empresas em recuperação do Brasil. A lei que permitiu esse processo é de 2005. Mas a Laginha não deu conta de cumprir o plano e teve a falência decretada", explica.

Sem-terra esperam definição

Enquanto a definição não sai, movimentos de luta pela reforma agrária ocuparam terras das usinas falidas, à espera de uma desapropriação. Em fevereiro de 2018, havia 10 mil camponeses vivendo no latifúndio abandonado.

Mas, até hoje, apenas uma parte da área foi destinada aos trabalhadores. "Faz seis anos que pautamos a compra da Laginha pelo Estado", conta Carlos Lima, da coordenação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Alagoas, citando que não crê em ação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) por conta da paralisação da reforma agrária no país pelo governo federal.

"Sabemos que não há dinheiro para isso. Mas o grupo João Lyra deve ao tesouro estadual. Propomos um encontro de contas e repasse das terras. Essa realidade já existe nas áreas da outra usina do grupo, a Guaxuma [em Coruripe], da qual o Estado adquiriu 1.500 hectares de terra. Queremos agora a aquisição dos 11 mil hectares de terras da Laginha", explica.

Segundo Lima, o governo já fez levantamento da área. "Ele já tem elementos suficientes. Na última reunião com o governador [Renan Filho], em setembro, o governador manteve o compromisso [de fazer isso]", relata.

Com informações de UOL

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