Governo defende hidroxicloroquina e diz que vacina não funciona

22 de Janeiro 2022 - 14h08
Créditos:

Em documento usado para justificar a rejeição de diretrizes de tratamento da Covid-19 ao SUS, o Ministério da Saúde contraria entidades científicas e afirma que há eficácia e segurança no uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19.

Na mesma nota técnica, a pasta declara que as vacinas não demonstram essas características. Os textos arquivados contraindicavam o uso de medicamentos do chamado kit Covid.

A manifestação antivacina foi feita em tabela dentro de documento assinado pelo secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Helio Angotti. As diretrizes rejeitadas haviam sido elaboradas por especialistas de entidades médicas e científicas e aprovadas pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS).

Na mesma tabela, o ministério afirma que a hidroxicloroquina é barata, não tem estudos "predominantemente financiados pela indústria", mas não é recomendada por sociedades médicas. Já a vacina, segundo a pasta, é cara, tem estudos bancados pela indústria e é recomendada por essas entidades.

A diretora da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Meiruze de Freitas reagiu à nota da Saúde e disse à Folha de São Paulo que "todas as vacinas autorizadas no Brasil passaram pelos requisitos técnicos mais elevados no campo dos estudos clínicos randomizados (fase I, II e III) e da regulação sanitária".

"Não é esperado e admissível que a ciência, tecnologia e inovação no Brasil estejam na contramão do mundo", afirmou a diretora. "É preciso que todos estejam unidos na mesma direção, ou seja, salvar vidas", completou.

O Ministério da Saúde aponta que não há demonstração de efetividade da vacina "em estudos controlados e randomizados" nem de segurança "em estudos experimentais e observacionais adequados".

Ainda afirma que outros tratamentos contra a Covid não têm resultado, como manobra de prona e ventilação não invasiva.  A assessoria da Saúde e o ministro Marcelo Queiroga não se manifestaram sobre o assunto.

Ao assumir o Ministério da Saúde, em março de 2021, Queiroga anunciou que promoveria o debate na Conitec para encerrar a discussão sobre o uso do kit Covid. Ele indicou o médico e professor da USP Carlos Carvalho, contrário aos fármacos ineficazes, para organizar grupo que iria elaborar os pareceres.

Queiroga, porém, passou a evitar o tema, ainda que admita a colegas que não vê benefícios no uso destes medicamentos. Gestores do SUS cobram que o ministro, além de atuar na compra das doses, faça campanha de estímulo a imunização das crianças.

Especialistas e sociedades médicas que participaram da elaboração da diretriz preparam um recurso ao ministério para reverter a decisão de rejeitar o texto. Devem assinar o recurso a Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), a SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) e a AMB (Associação Médica Brasileira).

"Não tem lógica e base técnica nenhuma essa análise [do ministério]", afirma o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul). "Mostra claramente que é uma decisão política [rejeitar a diretriz] e não técnica".

Angotti também questionou, na nota da Saúde, a metodologia utilizada pelos especialistas, o rigor técnico dos estudos e até mesmo possíveis conflitos de interesse do grupo.

O secretário rejeitou três capítulos da diretriz hospitalar da Covid, todos aprovados por unanimidade na Conitec. Além disso, arquivou o texto sobre tratamento ambulatorial, aprovado por sete a seis no mesmo colegiado.

" Essas vacinas que são alvos de ataque por parte do secretário estão autorizadas em todas as agências do mundo", disse Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria dos Produtos Farmacêuticos).

Com informações da Folha de São Paulo