INSS: empresa alvo da PF fraudava áudio de aposentado, diz funcionário

24 de Maio 2025 - 10h14
Créditos: BRENO ESAKI/METRÓPOLES

Um ex-funcionário da empresa Balcão das Oportunidades revelou como funcionava um sofisticado esquema de edição fraudulenta de áudios utilizado para justificar, de forma ilegal, descontos em aposentadorias do INSS. A empresa é investigada pela Polícia Federal na Operação Sem Desconto, que apura uma rede bilionária de fraudes envolvendo associações e correspondentes bancários.

Segundo o relato obtido com exclusividade pelo jornalista Luiz Vassallo, do portal Metrópoles, a empresa comprava dados pessoais de aposentados e os utilizava para fazer ligações telefônicas oferecendo falsas vantagens, como a promessa de cancelamento de descontos ou redução de parcelas. O objetivo era gravar o aposentado dizendo palavras como “sim” ou confirmando seus dados pessoais.

Esses trechos de áudio eram então manipulados por uma equipe de até 70 editores. A gravação final incluía falas fabricadas por atendentes simulando a oferta de filiação a associações. Na sequência, era inserida a voz do aposentado, captada anteriormente, respondendo “sim” — dando aparência de consentimento ao que, na prática, nunca foi aceito.

A Balcão das Oportunidades, conforme documentos obtidos pelo Metrópoles, recebeu R$ 9 milhões da Ambec, uma das principais entidades ligadas à fraude, e mantinha contratos milionários com a Cebap. As associações são ligadas ao empresário Maurício Camisotti, apontado como um dos principais beneficiários do esquema, com lucros superiores a R$ 40 milhões, segundo as investigações.

Em depoimento, o ex-funcionário afirmou que o modelo passou a ser adotado há cerca de cinco anos. “Se a gente vender mil seguros, trinta ou quarenta pessoas reclamarem, e a gente devolver o dinheiro, não tem problema. Vamos estar ganhando em cima de novecentos e tantos. Mesmo devolvendo R$ 100 mil, ainda vamos lucrar R$ 10 milhões”, relatou.

Ainda de acordo com ele, os dados dos recém-aposentados eram comprados por R$ 50 no mercado clandestino, e os operadores de telemarketing abordavam as vítimas já com todas as informações em mãos. Mesmo quando o aposentado recusava, a insistência seguia até que ele falasse ao menos “sim”, o suficiente para ser inserido em uma gravação editada.

Os áudios falsos eram usados por bancos e associações como “provas” de autorização de filiação e apresentados tanto ao INSS quanto à Justiça. No entanto, em diversos casos, juízes e o próprio instituto têm recusado esses materiais como válidos, diante da suspeita de fraude. Em um dos processos, a gravação apresentada trazia uma voz com sotaque diferente da vítima, levando o juiz a condenar a associação e remeter o caso ao Ministério Público e à Polícia Civil de São Paulo.

Entre as vítimas está Nilcea Maria dos Santos, aposentada que sofreu descontos de três diferentes entidades. A Ambec anexou um áudio no processo em que, segundo sua defesa, a voz sequer era dela. Embora a Justiça não tenha instaurado incidente de falsidade, a associação foi condenada a indenizá-la. Outro caso é o de Josefa Ferreira, que reconheceu sua voz na gravação, mas negou veementemente ter consentido com a filiação.

O Balcão das Oportunidades também é apontado como referência para outras empresas do setor, que estariam replicando o modelo fraudulento. Enquanto os salários de atendentes em capitais giram em torno de R$ 3 mil, operadores no interior de Minas Gerais que trabalhavam com a empresa chegavam a ganhar até R$ 9 mil com bônus por cada filiação concretizada.

O esquema evidencia a fragilidade na proteção de dados de aposentados e escancara uma prática sistêmica de exploração financeira da população idosa. A Polícia Federal segue com as investigações para responsabilizar os envolvidos.