O Brasil, a Arábia Saudita, a crise chilena e a deputada do PSOL

31 de Outubro 2019 - 08h17
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Andei dia desses olhando o Twitter, rede social na qual telegramas são escritos com ares de profundidade.

O Twitter é o Facebook dos intelectuais e o Instagram das fotografias de ideias.

Escolhi para analisar o perfil de uma deputada federal que se apresenta assim: “Feminista, defensora dos direitos sociais e deputada federal pelo PSOL...”

Fui ao pai dos burros virtual e descobri que a referida parlamentar é formada em Letras pela Universidade de São Paulo e servidora da mesma universidade.

Leio sempre – e concordo – que a política externa deve ser pautada pela defesa dos interesses do país. Logo, um chefe de Estado tem de seguir, à risca, uma postura pragmática nas relações com outros chefes de Estado, pondo os interesses da Nação acima de questiúnculas ideológicas.

Temos, como Estado soberano, de defender os nossos interesses em mesas de negociações com dignitários da Alemanha, da China, dos Estados Unidos, da França... do Zimbábue.

Esta semana o presidente Bolsonaro está num périplo pelo Oriente Médio e jantou com o príncipe saudita Mohammed Bin Salman. Na oportunidade, o brasileiro disse ter afinidades com ele. Foi o bastante para a deputada psolista lembrar que o saudita “é acusado de mandar matar um jornalista e de violar os direitos humanos” e que a “Arábia Saudita é considerada um dos países mais perigosos para as mulheres”, concluindo, por fim, que isso explicava a afinidade entre o chefe de Estado brasileiro e o chefe de Estado saudita.

O príncipe Mohammed Bin Salman é, de fato, acusado de mandar matar um jornalista e a Arábia Saudita não é um primor na defesa dos direitos humanos. Mas, vamos e venhamos, Lula é acusado por Marcos Valério de tramar a morte de Celso Daniel, foi condenado em três instâncias a justiça brasileira e o pessoal do partido da deputada grita a plenos pulmões Lula Livre.

A Lula deve ser dado o benefício da dúvida. De outra maneira: cabe à acusação o ônus da prova. O mesmo deve ser dito às recentes acusações acerca do possível envolvimento de Bolsonaro ou da família dele no caso Marielle Franco.

Culpado ou não dos crimes de que é acusado, o príncipe saudita sentou com Bolsonaro, chefe de Estado brasileiro, para negociar acordos comerciais. Cada um defendendo os interesses da Nação que representa.

Nenhum dos dois é juiz.

O príncipe saudita enquanto estiver sentado sobre poços de petróleo não será incomodado por ninguém.

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A parlamentar antes assestara suas baterias contra o Chile.

Com sinais de demência (ou seria apenas desonestidade?), disse a psolista: “A reforma da previdência foi definitivamente aprovada no Congresso. O texto de Guedes e Bolsonaro se baseou na previdência do Chile, país que está em convulsão social por conta desse modelo perverso. Que nos sirva de inspiração a luta do povo chileno. A rebelião vai chegar aqui.”

Entre a demência e a desonestidade, a parlamentar não consegue entender que a previdência chilena é um sistema de capitalização e a brasileira, de repasse, de repartição. São modelos completamente diferentes.

Inicialmente, a reforma proposta pelo governo brasileiro e enviada ao Congresso Nacional tinha pontos que apontavam para um sistema de capitalização, baseado no modelo sueco, logo abandonado.

Os protestos chilenos são muito mais complexos do que a dicotomia direita-esquerda na qual estamos artificialmente metidos há pela menos uma década.

O Chile ostenta os melhores índices de educação (https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/educacao-chilena-e-a-melhor-da-america-latina-com-modelo-oposto-ao-do-brasil-5otfucsyzefqd4a7x6v51lo8s/), nível de riqueza (https://economia.uol.com.br/noticias/efe/2017/11/14/riqueza-na-america-latina-aumenta-39-em-um-ano.htm), IDH (http://www.projetolatinoamerica.com.br/idh-2015-america-latina/) e segurança (https://www.i9treinamentos.com/caso-de-gestao-publica-na-seguranca-do-chile/) da América Latina e não é e nunca foi, como certos setores políticos brasileiros e internacionais quiseram fazer crer, uma Suíça fincada na América Latina; tampouco é um caso de retumbante fracasso, como certos outros setores políticos brasileiros e internacionais querem nos fazer crer.

Os dois caminhos, atolados até o pescoço no binarismo analítico, ignoram inteiramente a realidade latino-americana.