O complô contra "João do Pulo"

07 de Agosto 2021 - 06h33
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João Carlos de Oliveira, o “João do Pulo”, um ex lavador de carros, chegou em Montreal/1976 como o maior destaque da delegação brasileira e favorito na prova de salto triplo como recordista mundial com a marca 17,89 metros conquistada no Pan-Americano do México, em 1975.

Foi traído pelos nervos e sequer conseguiu ultrapassar a marca dos 16,90. Ficou com o bronze, enquanto a prata foi do americano James Butts e o ouro para o russo Viktor Saneyev, que conquistou o tricampeonato olímpico.

Em Moscou/1980, chegou mais confiante e seguro. Na prova, por alguma razão, começou a desconfiar que não queriam que ele tivesse uma boa performance. Das onze tentativas, oito tinham sido invalidadas sob o argumento de que o brasileiro havia pisado no sarrafo. “Queimar” o salto é comum, mas não tantas vezes numa mesma competição e com um atleta experiente.

No décimo-segundo salto, João enquanto “voava” em direção à caixa de areia, sabia que o salto era válido. Ao concluir o salto, tinha a certeza de que estava a mais de dezoito metros da linha inicial que lhe daria a medalha de ouro naqueles Jogos Olímpicos de Moscou, além de um novo recorde mundial.

Todavia, mais uma vez os juízes levantaram a bandeira vermelha invalidando o salto. “João do Pulo” não acreditava. Das nove tentativas, somente três foram consideradas e a marca de 17,22 metros foi suficiente apenas para o bronze. “João do Pulo” fora roubado.

O que era desconfiança se confirmou quase vinte anos depois, quando o jornal australiano Sidney Morning Herald publicou uma versão lamentável e esclarecedora do que havia acontecido em Moscou, naquele 25.07.1980.

Os saltos anulados de João faziam parte de uma trama arquitetada para dar o tetracampeonato ao russo Viktor Saneyev. Para a surpresa geral, o plano não tinha sido armado por nenhum comunista, mas o presidente do Comitê Olímpico Internacional, o irlandês Lord Killanin.

Durante a abertura dos Jogos de Moscou, Saneyev adentrou o Estádio Lênin com a tocha olímpica e a entregou a Sasha Belov, ídolo do basquete, que acendeu a pira. A marca esportiva japonesa Mizuno havia patrocinado os três mil atletas que tinham transportado a tocha da Grécia até Moscou, mas justamente na hora em que todas as TVs do mundo transmitiam a cerimônia, os dois ídolos soviéticos estavam calçando Adidas. Os japoneses exigiram uma reparação.

O presidente do COI convenceu o alemão Horst Bassler, fundador da Adidas de que a empresa havia furado a promoção da Mizuno e a concordar com a possibilidade de os juízes ajudarem o soviético a ganhar o ouro pela quarta vez consecutiva calçando a marca japonesa. Com a vitória a Mizuno faria publicidade com a imagem do campeão e o episódio da abertura ficaria superado.

Quando a ordem foi repassada para ser operacionalizada, Saneyev não gostou e criou problemas, mas, no sistema soviético da época não dava para ter vontade própria. Foi para a pista desgostoso, perdeu o foco e quem se deu bem foi o compatriota Jaak Udmae, que ficou com o ouro, enquanto Viktor foi prata com o calçado clandestino.

“João do Pulo” morreu um mês antes de a notícia ser publicada pelo jornal australiano e pela revista Época. Em 1992, quando o Jornal do Brasil fez uma reportagem já suscitando essa desconfiança, João comentou que naquele dia foi a única vez que ele havia chorado por conta de tal injustiça, pois sabia que os seus saltos “queimados” tinham sido perfeitos, e que depois daquilo a vida para ele ficou diferente. Em 1981, teve a perna direita esmagada num acidente automobilístico e amputada meses depois. Ficou contrariado, triste e deprimido. Passou a beber muito e contraiu cirrose hepática. Morreu em 29.05.1999, com 45 anos.    

Dados de pesquisa: Brasileiros Olímpicos (Lédio Carmona, Jorge Luiz Rodrigues e Tiago Petrik)