Quem criou...?

07 de Fevereiro 2022 - 19h07
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Em todos ou em praticamente todos os estados nos quais as águas do rio S. Francisco chegaram, o atual presidente da república, Jair Bolsonaro, esteve presente para entregar a obra de transposição. E invariavelmente as redes sociais entraram em polvorosa, com os partidários do capitão-presidente enaltecendo-o e os seus opositores dizendo que a transposição é projeto de Lula e Dilma.

A ideia transposição do S. Francisco tem mais de duzentos anos (a primeira menção é de 1810, pouco depois da chegada da família real portuguesa ao Brasil, e não se falava de transposição, mas encanamento), mas foi o imperador D. Pedro II quem primeiro a aventou com mais seriedade, na esteira da construção do canal de Suez e, também, em virtude de uma grande seca, no último quartel do século XIX.

No segundo império, diversos projetos de lei que previam a transposição chegaram a ser discutidos por deputados e senadores e todos foram arquivados, contra as pretensões do imperador, sob a alegação de que se tratava de obra faraônica e de elevado custo. Por vezes a ideia foi retomada durante o período republicano (https://apublica.org/2014/02/transposicao-um-projeto-dos-tempos-imperio/), mas foi somente no governo Fernando Henrique Cardoso que a proposta começou a tomar forma, quando foram feitos estudos de impactos ambientais e de viabilidade econômica e uma proposta de gestão hídrica que garantiria as demandas da população, posteriormente ampliada durante o governo Lula, que não conseguiu, por diversos fatores, entregar a obra à população (voltarei a este assunto em outra oportunidade).

O nariz de cera é grande o suficiente para tomar praticamente um terço de todo o texto, mas tem uma razão de ser, pois o leitor certamente ouviu ou leu, algumas vezes, que Lula criou o FIES, o Bolsa Família, o Luz para todos, etc.

Vamos por partes.

1 – Lula não criou o FIES. Ele reformulou o que FHC já havia reformulado. O projeto original é de 1975, no início do governo de Ernesto Geisel, penúltimo presidente do ciclo autoritário nascido em 1964. No governo Geisel, o então Crédito Educativo (nascido por sinal de projeto de lei apresentado pelo deputado federal potiguar Ney Lopes de Souza) foi criado. Posteriormente reformulado no governo FHC, o novo programa passou a se chamar FIES, e teve novas reformulações nos governos seguintes (https://www.google.com/search?q=FIES+e+FHC&sxsrf=APq-WBv-fsGb5yffJ7PE7NlcpGwS9_vKYA%3A1644236791093&ei=9w8BYo2ABajK1sQP8Ze4gA0&ved=0ahUKEwjN1--uy-31AhUopZUCHfELDtAQ4dUDCA4&uact=5&oq=FIES+e+FHC&gs_lcp=Cgdnd3Mtd2l6EAM6BwgAEEcQsAM6BAgjECc6BwgjEOoCECc6DQguEMcBEKMCEOoCECc6CwguEIAEELEDEIMBOhEILhCABBCxAxCDARDHARDRAzoFCAAQgAQ6CAgAELEDEIMBOgsIABCABBCxAxCDAToECAAQQzoECC4QQzoICAAQgAQQsQM6DgguEIAEELEDEMcBEKMCOgoIABCxAxCDARBDOgsILhCABBDHARCvAToHCAAQsQMQQzoGCAAQFhAeSgUIPBIBMUoECEEYAEoECEYYAFC0BVj2NWCFO2gCcAJ4BIAB1wKIAb4XkgEIMC4xMC4zLjKYAQCgAQGwAQrIAQjAAQE&sclient=gws-wiz).

2 – O Bolsa Família nasceu da junção de vários programas sociais criados no governo FHC. Para ser mais preciso, a junção começou ainda em 2001, por volta da metade do segundo mandato do tucano. Para quem tem memória curta, Lula e o PT diziam que os diversos programas sociais nascidos na prancheta da primeira-dama Ruth Cardoso, os quais pariram o Bolsa Família, serviam para comprar o voto do eleitor e tornar o povo vagabundo (https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/o-discurso-em-que-lula-afirma-que-bolsa-familia-deixa-o-sujeito-vagabundo-sem-vontade-de-plantar-macaxeira-e-a-prova-documental-de-quem-foi-o-criador-do-programa/) e eram esmola (https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2021/04/28/verificamos-lula-criticos-bolsa-familia-esmola/), discurso parecido com o que fazia o atual presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores (https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/bolsa-farelo-e-voto-de-cabresto-as-contradicoes-de-bolsonaro-sobre-o-bolsa-familia/). A internet está aí para quem quiser consultar.

3 – Li que Lula criou o Luz para todos. Fui conferir a origem do programa e constatei que nasceu como Luz no campo (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2003/11/12/tourinho-luz-para-todos-e-o-luz-no-campo). Dados do IBGE apontam que, em 1996, setenta por cento das áreas rurais já tinham energia elétrica. Até o final de 2001, mais 20% foram acrescidos e no governo Lula foi ampliada em 5%. Diz um jornalista: “Em 1996, a luz chegava a 79,9% dos domicílios brasileiros. Em 2002, a 90,8%. Quem foi que colocou o programa na prática? Com FHC, a eletrificação avançou 12,64%%; com Lula, 5,94%%. É fato! É número! Do IBGE!!!” (https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/luz-no-campo-e-luz-para-todos-os-numeros-do-ibge/).

4 – Não é raro ouvir gente dizendo que Lula tirou 36 milhões de brasileiros da pobreza. Ora, como ele fez isso se, em 1998, havia 14 milhões vivendo na pobreza e, em 2001, havia 6 milhões?, segundo dados do IPEA (https://nuso.org/articulo/pobreza-e-politicas-sociais-na-decada-da-reducao-da-desigualdade/). Nunca devemos esquecer que o próprio Lula afirmou que cansou de inventar dados em eventos fora do país (https://br.pinterest.com/pin/560698222337361632/).

Apropriar-se das propostas e das ações de outros, sem dar-lhes crédito, não é caminho recomendável, pois um dia o mesmo veneno poderá ser experimentado.