Suicídio: O que é pior, falar ou não falar? Como entender o sofrimento do outro, identificar suas causas e razões

27 de Setembro 2022 - 06h58
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Uma das principais dúvidas quando falamos sobre prevenção ao suicídio é o ‘porque’ as pessoas tiram a própria vida. Mas, e suas causas, o que leva alguém a um ato tão extremo? Para a psicóloga do Sistema Hapvida, Ana Flávia Trindade, a melhor forma de prevenção é a percepção das causas fatoriais, que nem sempre apresentam sinais claros, objetivos e diretos. “Na maioria dos casos, os sinais não são claros porque muitas pessoas que têm uma boa relação com a família, na escola, no trabalho e no convívio social, no entanto, ainda assim tiram a própria vida. E as pessoas se perguntam, porque? Sendo assim, visualizamos a importância do olhar de um profissional que está atento a pequenos sinais, que em sua maioria, só são identificados se analisados de forma macro no contato com o paciente e, posteriormente, em conjunto com familiares, amigos e até professores”, esclarece a especialista.

Os sinais podem não ser clarividentes, mas há meios e formas de identificar comportamentos suicidas, ainda que sejam inconscientes. Como os pais, os filhos ou amigos podem buscar esses sinais sem serem invasivos ou negligentes? “Antes de identificar os sinais, os pais ou cuidadores precisam analisar em si mesmos o quê e como têm’ cobrado ou projetado suas expectativas em seus filhos. Por exemplo, a maioria das pessoas tem a percepção que falar e desmitificar o ‘suicídio’ é besteira. Que não tem tempo para ouvir chantagem, ou, preferem se comparar ao outro dizendo: quando eu tinha sua idade, não tinha nada disso. É frescura”, pontua Ana Flávia.

Outro ponto importante, segundo a psicóloga, é entenderem de fato, a importância da saúde mental e estar aberto e disposto a dialogar sobre os mais variados assuntos, inclusive, o suicídio, sem discriminação ou comparações. “Depois disso, é possível ser mais maleável e sensível à observação. Ou seja, ouvir com atenção e estar disponível para o diálogo é o primeiro passo para sentir e perceber possíveis sinais, que se constatados, merecem atenção maior e sugerem o acolhimento discreto sem invadir ou romper os limites do outro”, explica.

De acordo com a psicóloga, apesar do avanço social e da facilidade de acesso aos mais variados assuntos de forma mais aberta, direta e com menos preconceito, há muitos sinais perceptíveis, porém os principais e mais graves só podem ser identificados por profissionais de psicologia. “Falar sobre suicídio, ainda é algo que deixam as pessoas tensas e sustentam a teoria de que noticiar o suicídio faz com que as pessoas se sintam induzidas ao ato, quando na verdade nós precisamos discutir para que elas se sintam à vontade para compartilhar suas emoções e sofrimentos para que possamos entender as causas do suicídio”, adverte a colaboradora do Sistema Hapvida.

Para a especialista, um dos caminhos para reduzir os índices de suicídios no Brasil e no mundo é quebrar o tabu. E isso se faz com diálogo, acesso à informação responsável sobre prevenção, reflexão, tratamento e superação. “Falar sobre o tema não influencia ninguém. O suicídio é influenciado por fatores emocionais, culturais, de gênero, econômicos, sociais, espirituais ou sexuais. Há uma série de fatores que podem engatilhar o ato do suicídio, como desemprego, luto recente, doença degenerativa, mudança brusca da forma de vida”, afirma Ana Flávia, ao reforçar que pessoas em situação de vulnerabilidade emocional estão mais propensos a desenvolver transtornos mentais capazes de aumentar a possibilidade do cidadão cometer suicídio.

Além da instabilidade emocional e elevação do quadro depressivo, a psicóloga destaca que a idealização do suicídio, são potencializados por pensamento frequentes e intensos de desesperança, baixa alto-estima, sentimento de inferioridade e instabilidade financeira. “O desejo de tirar a própria vida pode surgir por diferentes situações, porém, em sua maioria o ato é provocado por divórcio, solteirice, desemprego, decepção profissional ou educacional, enfim, tudo que promove um estado de sofrimento sem perspectiva de melhora”, alerta a psicóloga.

Durante muitos anos o jornalismo considerou a notícia de suicídio como um tabu de incentivo contra a própria vida. Hoje, a realidade é outra, mas como inserir o assunto no dia-a-dia e perceber os sinais no colega, no filho, no marido, no pai? “Uma pessoa que pretende tirar a própria vida dá sinais. Se isola, reclama da chatice da vida, do bullying, desvalorização e minimização de si mesmo. O suicida em potencial dá sinais de seu sofrimento íntimo e solitário, dando a oportunidade de ser ajudado, acolhido e percebido de verdade. Então, conversar é a forma mais fácil de identificar o que está acontecendo com o outro”, alerta Ana Flávia Trindade.

E quem não dá sinais e pratica o suicídio sem compartilhar sentimentos? Para a especialista em saúde mental, muitos casos não são notificados e isso dificulta a promoção de políticas públicas e principalmente, a discussão e verbalização acerca do tema no cotidiano familiar, escolar e profissional. “Ainda que não consigamos observar com clareza, essas pessoas vão verbalizar seus sentimentos, dores e feridas de alguma forma, seja com seus amigos. Familiares ou com profissionais de saúde mental. Porém a melhor e mais segura forma de reverter o pensamento e restabelecer o controle emocional e amor próprio é com auxílio profissional. Então, essa percepção tem que partir de nós profissionais e dos familiares com dedicação de tempo, atenção e cuidado”, pontua a psicóloga.

A especialista completa: “Quem quer faz. Isso não é verdade! Apesar do desejo de morrer, a pessoa quer também viver. E, na maioria das vezes, o maior desejo é acabar com o sofrimento e voltar a ver o sentido na própria vida”, afirma a psicóloga.