
Por Sérgio Trindade
Corriam os anos 2019-2020, Jair Bolsonaro era o Presidente da República e o WhatsApp bombou como meio de informação/comunicação.
Pipocavam informações e notícias. Muito pouco era devidamente conferido e quase todo mundo caiu, em algum momento, no conto da informação e passou o que viu para a frente, no próprio WhatsApp ou em alguma outro veículo de informação/comunicação.
Surgiu uma personagem, as Tias do WhatsApp.
Lembram?
Pois bem, passaram-se os anos, Bolsonaro perdeu a eleição, em 2022, para Lula e a personagem migrou para a televisão. Algumas são funcionárias da Globo News, hoje um espaço no qual a fofoca e a futrica tomaram parcialmente o lugar da notícia.
Ali bom número de profissionais virou um bando de fofoqueiro e futriqueiro contando fofocas e fazendo futricas enquanto gesticulam e mostram os seus iPhones, donde, pelo WhatsApp, recebem as fofocas e futricas que divulgam no ar, no mais puro exemplo de jornalismo declaratório e rasteiro apresentado como bastidores.
Nada contra, afinal o pitoresco, o cômico, o ridículo, o risível e o abominável precisar ser desvelados e revelados e, não sejamos hipócritas, apimentam e oferecem graça à notícia, mesmo não sendo o núcleo dela.
Paulo Francis (perdoem-me o sacrilégio de utilizar o exemplo de Francis, afinal ele e Natuza Nery não cabem no mesmo parágrafo) criticava fortemente, em seus textos, o caminho trilhado pela Assembleia Constituinte (1987-1988), afirmando ter lido “a Constituição de 245 artigos. Os empreiteiros e senhores de terra levaram tudo que quiseram. O de costume”, para concluir que ser “evidente que essa Constituição-Frankenstein tem que sofrer uma revisão. Isso é uma Constituição absolutamente absurda, que não tem pé nem cabeça econômica no mundo de hoje”. (https://www.youtube.com/watch?v=a-4ZiAMyMa0).
Francis entremeava suas análises ácidas e precisas com grosserias, a exemplo do que disse sobre Ulisses Guimarães, do PMDB, ter mau hálito.
Ou, então, os deliciosos textos de Sebastião Nery sobre os bastidores da política publicados em livro, como o que segue abaixo:
“Eu era então (em 1956) chefe da seção política da Tribuna da Imprensa, jornal de oposição, dirigido por Carlos Lacerda, que movia feroz campanha contra JK. Apesar disso, ele sempre me distinguiu com especial atenção e, na sua segunda viagem a Brasília, me convidou para acompanhá-lo. Saímos do Rio num Convair da Aerovias-Brasil e aterrissamos numa pista improvisada, perto do Catetinho. Às quatro horas da madrugada do dia 2 de outubro, ainda noite escura, JK já estava de paletó esporte, camisa de gola role, chapéu de aba larga, botinas e um rebenque, batendo à porta de nossos quartos, e convidando-nos para irmos com ele visitar as futuras obras. Brasília era um imenso descampado:
– Aqui será o Senado, ao lado da Câmara, mais adiante os Ministérios. No outro lado, o Supremo e o Palácio do Planalto, onde irei despachar.
Naquela nossa primeira noite em Brasília, após um dia de calor escaldante, os engenheiros estavam na varanda do Catetinho, em torno de uma garrafa de uísque, que era bebido ao natural, isto é, quente, porque em Brasília não havia ainda energia elétrica e, portanto, não havia gelo, que era artigo de luxo. Juscelino, presente, comentou:
– Vocês sabem que eu não gosto de uísque. Mas que uma pedrinha de gelo, aí nos copos, seria muito bom, seria.
Nem bem ele acabou de pronunciar essas palavras, o céu se enfarruscou e uma chuva de granizo despencou sobre aquele Planalto, levando os boêmios candangos a aparar as pedras, jogar nos copos e tomar uísque com gelo. Era o primeiro milagre de Brasília”.
O que a turma de Natuza Nery, Daniela Lima e outros fazem passa ao largo disso aí. É apenas submissão do essencial ao acessório, substituindo a notícia séria pelo disse-me-disse, a realidade crua pelo humor sem graça. Não fazem o jornalismo que fez Paulo Francis, ainda que a proposta seja fazê-lo, nem discorre com graça pelo folclore político nacional, projeto posto em prática por Sebastião Nery.
Natuza e turma fazem uma coisa decadente, tosca e depreciante, transformando a empresa dos Marinho, que sempre se pautou pela sobriedade (em essência ou apenas em aparência) numa TV Capricho ou TV Sétimo Céu. Ou uma TV Caras. Um canal de fofocas, com fofoqueiros trajados de jornalistas.
Talvez o modelo já faça um tempo que está por aí, desde os tablets – e eu não tenha notado.
Jornalista é, de certa forma, o profissional da fofoca. O maior problema está em desaprender até o básico, que é repassar a fofoca como ela é, e não de forma sentimental, piegas mesmo, e tendenciosa. O grupo Globo chafurda na lama e ameaça dela não sair, enquanto seus antes fiéis telespectadores estão voando de lá (https://www.metropoles.com/entretenimento/televisao/globonews-tem-menos-de-1-ponto-de-ibope-fantastico-tambem-vive-crise).
Ou o grupo Globo é favor das Tias do WhatsApp ou é contra. As duas coisas não dá.