
Picadas de cobra ainda representam um risco sério à saúde em muitas regiões do mundo, principalmente em áreas rurais. Agora, cientistas norte-americanos desenvolveram um novo antídoto mais amplo e seguro, feito com anticorpos de um homem que passou quase 20 anos se “imunizando” voluntariamente com venenos de cobras altamente letais.
Publicado em 2 de maio na revista Cell Press, o estudo mostra que o antídoto foi capaz de proteger contra 19 das espécies de cobras mais perigosas do mundo em testes com camundongos.
Histórico imunológico “único”
Os pesquisadores isolaram anticorpos do sangue do norte-americano Tim Friede, que vive em Wisconsin. Ele é colecionador de répteis e passou anos injetando em si mesmo pequenas doses de veneno de cobras como mamba-negra e naja-real com o objetivo de desenvolver tolerância.
“Quase toda picada é dolorosa, como uma picada de abelha multiplicada por cem. Mas nunca fiz isso para bancar o durão e fazer vídeos para o YouTube. Eu queria pegar as piores cobras do planeta e vencê-las”, disse Tim em entrevista ao National Geographic em 2022.
Sem qualquer acompanhamento médico, Friede sofreu diversas reações graves durante o processo, como convulsões e febre, mas sobreviveu e, com isso, desenvolveu uma imunidade rara e útil para a ciência.
“Ao longo de quase 18 anos, ele se submeteu a centenas de picadas e autoimunizações com doses crescentes de 16 espécies de cobras muito letais que normalmente matariam um cavalo”, afirmou Jacob Glanville, CEO da empresa Centivax, que lidera o desenvolvimento do antídoto, em comunicado.
Ele destacou ainda que o histórico imunológico do doador é “único”, e que os anticorpos produzidos por Friede têm capacidade de neutralizar diversas neurotoxinas ao mesmo tempo.
Antídoto pode proteger até contra 19 espécies de cobras
Para desenvolver o antídoto, os cientistas criaram um painel com venenos de 19 espécies de cobras elapídeas, grupo que inclui najas, mambas e taipans. Em seguida, testaram diferentes anticorpos extraídos de Friede em camundongos expostos aos venenos.
O resultado foi a formulação de um coquetel com três componentes principais: dois anticorpos humanos e uma molécula chamada varespladib, conhecida por inibir toxinas.
O coquetel conseguiu proteger os camundongos de doses letais de veneno de 13 das 19 espécies testadas, e deu proteção parcial contra as demais. Os pesquisadores acreditam que a mesma combinação pode funcionar contra outras cobras não incluídas nos testes.
Cães podem ser beneficiados
Com os bons resultados em modelos animais, o próximo passo será testar o antídoto em cães atendidos em clínicas veterinárias na Austrália após picadas de cobra. A equipe também trabalha em uma formulação contra a outra grande família de cobras venenosas, as víboras, comuns em diversas regiões do mundo.
Segundo os pesquisadores, o objetivo final é desenvolver um “antídoto universal”, ou ao menos dois — um para elapídeos e outro para viperídeos. Também está nos planos buscar apoio de fundações, governos e empresas farmacêuticas para viabilizar a produção em escala e a realização de testes clínicos.
“Isso é crucial, pois, embora ocorram milhões de casos de envenenamento por cobras por ano, a maioria ocorre em países em desenvolvimento, afetando desproporcionalmente as comunidades rurais”, destacou Glanville.
O estudo teve apoio do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, do Departamento de Energia e do programa de pesquisa para pequenas empresas dos Institutos Nacionais de Saúde.
Fonte: Metrópoles