Por que fraudes no azeite são tão comuns — e como escolher o mais saudável no supermercado

18 de Setembro 2022 - 10h47
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Ao lado das carnes e dos lácteos, o azeite de oliva está no pódio dos alimentos mais fraudados no Brasil e no mundo.

O cenário de demanda em alta, escassez do produto, alto valor agregado e preços elevados representa a oportunidade perfeita para empresas adulterarem esse produto — e ampliarem a margem de lucro.

Para fugir dessas ameaças, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil orientam que o consumidor leia atentamente o rótulo e priorize azeites fabricados e envasados em um mesmo local há menos de seis meses. Ao longo desta reportagem, você vai entender todos os motivos por trás dessas e de outras recomendações.

Um indício do impacto das fraudes vem das operações periódicas feitas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): a última delas, realizada em dezembro de 2021, desarticulou uma rede de fraudadores que atuava em todo o país, apreendeu mais de 150 mil garrafas e proibiu a venda de 24 marcas deste produto.

Em anos anteriores, outras investigações do tipo chegaram a observar que entre 40 e 60% dos lotes de azeites analisados não passavam nas avaliações de qualidade.

Outra evidência que revela o tamanho do problema vem da Proteste, uma associação de consumidores que acompanha esse setor desde 2002.

"Em 17 anos, nós realizamos nove rodadas de testes que levaram em conta diversas marcas de azeite disponíveis no mercado", resume a nutricionista Fernanda Taveira, especialista em Alimentação e Saúde da Proteste. "E podemos perceber que, com o avanço da fiscalização, houve uma redução no número de fraudes."

Na primeira rodada de testes, em 2002, os especialistas da organização avaliaram 15 marcas e encontraram cinco fora do padrão. Já em 2019, foram investigadas 50 opções, das quais cinco vendiam gato por lebre.

Esses dados ganham ainda mais importância diante do protagonismo que o azeite vem ganhando na mesa dos brasileiros: o país ocupa atualmente a segunda posição entre os maiores importadores desse produto no mundo, atrás dos Estados Unidos.

Na safra 2014/15, o país comprou 67 toneladas de azeite do exterior. Esse número segue em crescimento e atingiu as 104 toneladas em 2019/20, de acordo com os relatórios do Conselho Oleícola Internacional (COI).

O consumo de óleos "alterados" em geral não representa uma ameaça direta à saúde. Mas especialistas e associações criticam o fato de os consumidores serem enganados — afinal, eles acham que compraram um azeite de oliva, alimento associado a diversos benefícios alimentares, quando, na verdade, estão levando um óleo barato e com outra composição de nutrientes.

Claro que, nesse contexto, há casos mais sérios. O nutricionista Dennys Esper Cintra, coordenador do Laboratório de Genômica Nutricional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembra que, no início dos anos 2000, foram identificados casos raros de azeites adulterados com óleo velho de motor de carro.

"A ideia dos produtores era acrescentar esse 'ingrediente' e escurecer um pouco o produto, para que ele ficasse mais parecido com o azeite de verdade, o que é extremamente grave", lembra.

Mas o que faz esse produto ser um alvo fácil de fraudes? Como fugir de pegadinhas no supermercado? E como escolher o melhor tipo e tirar o máximo proveito tanto do ponto de vista da saúde quanto da culinária?

O segredo está nos tipos
Para entender os motivos por trás das fraudes, é preciso conhecer antes os tipos de azeite e como eles são obtidos.

Em linhas gerais, esse alimento é dividido em quatro categorias: o extravirgem, o virgem, o azeite tipo único e o lampante.

Vamos começar pelo extravirgem. "Aqui só entra o que foi produzido de melhor em todas as etapas. A fabricação desse óleo depende apenas de processos mecânicos, sem nenhuma adição química ou alteração de calor", explica Ana Maria Rauen Miguel, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Ou seja: as azeitonas são colhidas no momento exato e passam pela maceração e pela prensa em temperatura ambiente, etapas que permitem extrair a primeira leva de óleo do fruto. Esse líquido passa então por alguns processos básicos para retirar impurezas e é engarrafado puro.

Do ponto de vista da legislação, o extravirgem possui um nível de acidez que fica abaixo de 0,8%.

No azeite virgem, essa taxa varia de 0,8 a 2%. "Aqui, pode ter ocorrido algum pequeno problema nos processos, como um pouco de fermentação das azeitonas, por exemplo, o que causa algumas alterações nos componentes principais do azeite e modifica a acidez", diz Miguel, que também integra o Grupo Oliva SP da Agência Paulista de Tecnologias dos Agronegócios (Apta Regional).

Geralmente, além da prensa, as azeitonas utilizadas no azeite virgem são submetidas a uma temperatura um pouco mais alta para garantir a retirada de todo o óleo presente no interior dos frutos.

Já o lampante é um óleo obtido a partir de azeitonas muito fermentadas ou machucadas, cuja acidez supera os 2%. O aspecto é rançoso, e o gosto fica forte e desagradável, o que torna o alimento impróprio para consumo humano. Muitas vezes, ele é utilizado como combustível — o nome "lampante", inclusive, vem do uso desse substrato para acender lamparinas no passado.

Por fim, a última categoria à disposição nos supermercados brasileiros é a do "tipo único". Aqui, o lampante passa por uma refinação e alguns processos químicos. Depois, é misturado com o azeite virgem antes de ser envasado e vendido.

Um dos primeiros fatores que ajuda a entender as fraudes tem a ver justamente com essas classificações todas. Apesar de existirem alguns testes laboratoriais padronizados, o que determina se um azeite é extravirgem ou virgem, os tipos considerados mais "nobres", é a avaliação sensorial de um grupo de especialistas.

"São indivíduos treinados durante anos para detectar problemas no gosto, no aroma e nos demais aspectos desse alimento", explica o farmacêutico e bioquímico José Fernando Rinaldi de Alvarenga, que faz pós-doutorado no Centro de Pesquisa em Alimentos da Universidade de São Paulo (Forc-USP).

E, ao contrário do que ocorre nos países produtores, como Espanha, Portugal e Grécia, onde um sistema de avaliação está bem padronizado, o Brasil ainda dá os primeiros passos nessa área.

Com informações do Terra