
O jogador de futebol profissional sabe que a relação com o torcedor é uma linha tênue entre o ódio e a paixão. O torcedor é passional e não poupa o jogador em mau momento ou por ser uma opção do treinador, mas que não é a dele (do torcedor).
O blog lembrará esta semana de dois jogadores e de episódios em tempos bem distintos – 1959 e 1998 – com o mesmo palco: o Maracanã.
No primeiro deles, o personagem é Julinho Botelho que foi do inferno ao céu. Após fazer uma excelente Copa do Mundo de 1954, foi contratado pela Fiorentina/ITA, onde ficou até 1958, sendo, até hoje, um dos ídolos em Florença mesmo após sua morte em 2003. Foi convocado para a Copa/1958, mas pediu dispensa por não achar justo ocupar um lugar de um jogador que estava atuando no Brasil. Para o seu lugar foi chamado Garrincha. O outro ponta-direita foi Joel. Em maio/1959, tendo retornado da Itália e jogando pelo Palmeiras/SP, Julinho é chamado, junto com Mané, para um amistoso contra a Inglaterra. Garrincha tinha chegado da Suécia, era unanimidade nacional. O torcedor era louco para vê-lo jogar. Julinho estava “voando baixo” no Palestra, mas não vestia a camisa canarinho desde 1954. Vicente Feola, o treinador, chamou Nilton Santos para dividir a decisão e saber com quem iniciava o jogo. Optaram por começar com Julinho e deixar Mané para “fazer o carnaval” no segundo tempo, com o English Team cansado. Quando o alto-falante anunciou Julinho na ponta-direita o que se ouviu foi uma sonora vaia de 120 mil vozes. Nelson Rodrigues assim narrou: “uma vaia pavorosa. A humilhação pública e cruel de um grande atleta”.
Julinho sentiu o nó na garganta. Não esperava essa recepção do povo brasileiro na sua volta a seleção nacional. Os demais jogadores, sentindo o momento difícil, levantaram a moral dele. Foi para o jogo, partiu para cima dos ingleses e aos 5min começou a calar o público ao abrir o placar. Aos 32min, deixou três ingleses “na saudade” e cruzou para Henrique entrar com bola e tudo. Durante o jogo, o ponta-direita fez outras tantas jogadas, empolgando o torcedor e fazendo esquecer aquele que era considerado “a alegria do povo”, que sequer entrou no jogo. Numa partida em que Pelé estava mal, Botelho saiu aplaudido de pé e foi escolhido o melhor em campo, naquela que foi considerada a maior partida da vida dele.
Na foto que ilustra a postagem, a capa da revista Manchete Esportiva em que Julinho, com a camisa 7 da seleção brasileira, comemora o seu gol.
FICHA TÉCNICA:
Brasil 2 x 0 Inglaterra
Data: 13.05.1959
Local: Maracanã
Árbitro: Juan Brozzi (ARG)
Público: 117.230
Gols: Julinho (5’) e Henrique Frade (32’)
Brasil: Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Orlando Peçanha e Nilton Santos; Dino Sani e Didi; Julinho Botelho, Henrique Frade, Pelé e Canhoteiro. Técnico: Vicente Feola
Inglaterra: Alan Kopkinson; Donald Howe, James Armfield, Derek Clayton e Billy Wright; Ronald Flowers e Norman Deeley; Peter Broadbent, Bobby Charlton, John Haynes e Albert Douglas. Técnico: Walter Winterbotton
Créditos de Imagens e Informações para criação do texto: “Grandes Jogos do Maracanã (Roberto Assaf e Roger Garcia); A sombra das chuteiras imortais (Nelson Rodrigues)